terça-feira, 16 de junho de 2009

Crônica: Injustiças nossas de cada dia

Muitas vezes não damos importância ao que vemos escrito ou divulgado em propagandas porque as consideramos apenas o “enchimento” do espaço entre as partes do jornal ou da revista, ou do tempo de um programa televisionado/irradiado. Arrazôo que deveríamos proceder diferentemente.

Oras, por que, já que mal prestamos atenção neles, exceto quando são engraçadinhos (como os de algumas cervejas) ou quando contenham mensagens emocionantes (como os de sabão em pó)?

Analisemos: qualquer pessoa com um mínimo de esclarecimento já percebeu que os tais anúncios são direcionados a públicos específicos cujas características são inferidas segundo o alvo da programação principal. Por exemplo: durante programas infantis vêem-se anúncios de lojas de brinquedos, artigos infantis e demais produtos voltados a este público. Já durante a programação noturna, observam-se reclames que se dirigem aos adultos já que são eles que comumente monopolizam a telinha neste período do dia. A mesma lógica é usada quando da decisão com relação à qual página anúncio de determinado produto vai ocupar.

Pensando neste público, o visado para seus produtos, aqueles que encomendam a confecção das propagandas tentam atingir o leitor, telespectador ou ouvinte de forma a convencê-lo a eleger seu produto, de um rol de outros oferecidos, para gastar seu dinheiro. Para isto usam da função apelativa – que nada mais é do que o nome técnico da linguagem apropriada para convencer.

Tendo tal fato em mente, analise-se uma propaganda veiculada no jornal de maior circulação da cidade onde moro. Era uma propaganda relacionada ao transporte urbano e me deixou absolutamente indignada. Tal propaganda trazia estampada uma foto dos coletivos e dizeres que davam a entender que os preços caros das passagens deviam-se aos usuários do serviço que são isentos de pagamento.

Ou seja, tal anúncio colocava-se frontalmente contra a Constituição, que garante gratuidade de transporte a idosos. Ainda afronta leis estaduais e/ou municipais que garantem a gratuidade para deficientes. Na verdade, usando da função apelativa de maneira muito pouco ética, o responsável pelos anúncios posicionava-se ideologicamente tentando convencer ao leitor incauto de sua ideologia: o direito de gratuidade garantido por lei tratava-se não de direito, mas sim de abuso e, por causa deste abuso, a sociedade de uma maneira geral era penalizada já que deveria pagar preços mais caros pelo transporte.

São óbvias as conseqüências implícitas em tal veiculação, especialmente considerando-se que nem todas as pessoas possuem senso crítico para diluir esta propaganda ao que ela realmente é: algo ilegal e injusto.

E o pior, a postura deste grupo responsável pela contratação da propaganda, é a mesma demonstrada pelos funcionários da empresa de transportes urbanos de Conselheiro Lafaiete - MG: deixar claro que aqueles que não pagam passagem o fazem por benesse desta companhia e não pelo direito e por força da lei. Ora, certa vez ao pegar o ônibus presenciei a cobradora exigir dinheiro de um senhor já que seu famigerado cartão de passe gratuito havia já sido usado seis vezes durante o dia e estava bloqueado. Este cartão trata-se de um artifício usado por esta empresa para controlar a quantidade de vezes que um idoso ou deficiente pode fazer uso do transporte público. É obvio que intervim. Disse ao senhor, de aparência muito simples e que tentava se explicar à cobradora dizendo que havia precisado ir ao médico levar exames, o que ele deveria fazer: mostrar sua identidade para comprovar sua idade. Se qualquer um o tentasse impedir de usar o ônibus tendo comprovado sua idade, que ele acionasse a polícia. A gratuidade era seu direito, afinal.

Este mencionado acontecimento e a mensagem da propaganda fazem-me imaginar um cenário onde todos, indiscriminadamente, pagam as passagens. Faz mesmo parte das possibilidades a diminuição do preço da passagem como contrapartida ao fato do aumento da aquisição de renda por parte das empresas de transporte? Para se chegar a uma resposta, basta lembrar algumas altas e baixas em preços e usá-los como exemplo: o petróleo sobe, os combustíveis sobem, todos os produtos que necessitam de transporte sobem, tarifas de ônibus sobem. E quando o preço do petróleo cai, caem todos os outros em cascata inversa? Apenas os mais inocentes acreditariam mesmo na possibilidade da baixa de preços como resposta – exceto em tempos de crise e recessão técnica como agora, com cortes em impostos e taxas de juros, junto com ameaças de falências múltiplas é que se veem redução de preços...

Ainda, em tempos em que se discutem a coerência ou não de se criarem novas leis para se regulamentar a imprensa e quando se observam donos de jornal e de grandes veículos de comunicação dizerem que os meios de comunicação sob sua responsabilidade se autorregulam é assaz interessante deparar-se com uma propaganda desta. Ela sugere o contrário – que nem todos são capazes de se autorregular, controlar, julgar uma vez que, é importante que se lembre, os interesses monetários regem a veiculação de propagandas.

Não se quer dizer, obviamente, que tais interesses sejam escusos: eles movem o capitalismo – sistema que, na falta de outro melhor, serve. Entretanto, a responsabilidade e a ética devem, ou pelo menos, deveriam estar acima destes e de quaisquer outros interesses, especialmente com relação àqueles que são responsáveis pela educação, política, assim como por meios de comunicação. Há que se preocupar com a carga ideológica veiculada e que chega a todos os tipos de ouvidos e olhos: cultos ou incultos, com senso crítico ou sem ele.

E mais, considerando-se que os padrões morais e éticos de grande parte da população são regidos pela “novela das oito” deve-se zelar ainda mais pelo que é transmitido. O ideal seria, na verdade, que a população, quando se visse afrontada por propagandas tais, manifestasse-se por escrito à redação expondo que não deseja ver o espaço do jornal que compra poluído por ideologias injustas e ilegais. Se tal persistisse, que os leitores fizessem uso da ferramenta mais poderosa que possuem: o poder monetário e parassem de comprar tal jornal ou assistir a tal canal de TV – mas aí, estaríamos nadando de braçada na utopia.

Pois bem, até que a utopia se materialize, conclamem-se os meios de comunicação para uma postura de maior responsabilidade.

Chamem-me de idealista, é o que sou.

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