segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sobre a vacina contra o HPV e pais (des)protetores

Recentemente, eu estava vendo no jornal uma médica ginecologista falando sobre a vacina contra o HPV, que deve ser ministrada antes do início da vida sexual feminina para evitar, com chances próximas a 90%, os casos de câncer de útero causados pelo HPV (o vírus do Papiloma Humano). Para tanto, recomenda-se a aplicação da vacina em meninas a partir dos nove anos de idade.

Lembro-me claramente de ter pensado: “se eu tivesse uma filha, providenciaria essa tal vacina o mais rápido possível!” Afinal de contas, quase 90%: é praticamente um santo remédio!

O que me fez relembrar o que pensei ao assistir à reportagem foi o comentário de certa conhecida que procurava informações com relação a esta vacina, a qual foi descoberta recente e, talvez por isso, não seja ainda parte do calendário obrigatório. Ela estava chocada ao perceber que a recomendação era que menininhas fossem vacinadas: ela possui três filhas entre 7 e 13 anos – ou seja, duas estão na idade apropriada para a vacinação. E mesmo cogitando (remotamente, por absurdo que possa parecer) vacinar suas filhas, disse que seu marido é quem criaria problemas e quase certamente não permitiria que se vacinassem as meninas. Na mente provinciana deles isto incitaria as meninas ao sexo.

Quem me conhece sabe que, frente a falas como esta, conto até um determinado número, mentalmente, e exibo o meu melhor sorriso. Tudo isto para dar tempo de lembrar a mim mesma de que sou uma pessoa educada e que, por isso, não posso sair por aí dizendo impropérios para todas as asneiras que escuto. Neste caso, contei até uns 2.000.000.

Perguntas que martelavam em minha cabeça enquanto eu sorria: Primeira:como uma mãe (ou pai) ao ter a chance de evitar que sua filha tenha uma doença tão triste e dolorosa responsável por altíssimos índices de mortalidade feminina no Brasil pode dizer o desplante de que não vai fazer isto? Segunda: como uma mulher, mãe de três crianças, que tem seu próprio dinheiro, afinal, ela trabalha, vai se submeter aos caprichos ignorantes do marido quando este, pavorosamente, proíbe as filhas de tomarem uma vacina?

Do fundo do meu coração: eu cheguei a buscar informações mentalmente para ter certeza de que estávamos no século XXI e não no XVI, no Brasil e não no Irã e que eu estava falando com uma pessoa culta e instruída – professora por sinal – e não com algum ignorante que jamais teve acesso a informações e cultura.

Fico pensando se o marido desta minha conhecida possuiria uma bola de cristal que lhe informaria com 100% de certeza que suas meninas não sofrerão de câncer de útero, sendo-lhe assim possível dizer que elas não precisam da picadinha – apenas 100% de certeza quanto ao futuro justificariam a desconsideração da vacina e seus 90% de eficácia. Do contrário, imagino a consciência deste distinto cidadão se qualquer de suas filhas for acometida desta doença cujo tratamento pode envolver intervenções dolorosas no útero e/ou sua retirada. Se uma delas tiver que passar pela quimioterapia tendo que lidar com toda a sua toxicidade e efeitos colaterais.

É claro que, ao dizer que o tratamento é duro, não quero desanimar estas bravas mulheres que lutam contra esta infame doença pelejando por suas vidas, dignidade e feminilidade. Mas, será que, uma delas sequer, afirmaria que perdoaria um pai o qual poderia tê-la poupado do sofrimento de um câncer ao ministrar-lhe uma vacina quando menina e que, não o fez por absoluto preconceito e ignorância? Por medo de que ela iniciasse sua vida sexual antes do “permitido”?

Duvido.

Agora, falemos aqui ao pé do ouvido: será que alguém, em sã consciência, vai realmente dizer que vai tomar conta da vida sexual das filhas e filhos para que eles apenas transem “quando for a hora” e exclusivamente de camisinha? Quem escolheu a hora da sua iniciação sexual foram seus pais? E, me diga com sinceridade, eles tomaram, pelo menos, conhecimento de quando você transou pela primeira vez? E nesta sua primeira vez, foi a primeira vez do seu parceiro(a) também? Foi de camisinha?

A resposta não será a mais comum para quase todas as perguntas, com certeza. E, se for não para pelo menos uma das duas últimas, a pessoa já se iniciou no sexo com grande chance de ter contraído ao menos um dos tipos de HPV dada a sua alta taxa de incidência na população, além da sua facilidade de transmissão.

O que me pergunto é se aquele pai-inquisidor esqueceu-se de que quando iniciou sua vida sexual, foi, muito provavelmente, segundo as estatísticas: ainda adolescente, furtivamente e sem camisinha, com meninas cujos pais não poderiam nem sonhar o que elas estavam fazendo. Ainda, posso supor que foi escondido de seus próprios pais.

Ou será que alguém imagina esta cena como corriqueira: “pai, mãe, eu queria informar a vocês que decidi que já sou um rapaz crescido e, por isso, vou sair por aí e ‘catar’ uma mina”. A mãe, solícita, então, corre ao quarto e entrega-lhe um embrulho e diz: “querido filho, já esperava por sua decisão, e por isso, para que você não esteja desprevenido, comprei-lhe uma caixa de camisinhas” continuando uma exortação maternal sobre a boa hora e lugar para esta nova atividade...

Parece-me que, realmente, as pessoas teimam em esquecer suas próprias experiências imaginando que vão ter um controle ou um poder sobre seus filhos que seus próprios pais não tiveram sobre elas.

Ai, ai...

Em contrapartida, outra colega, desta vez de trabalho, que tem duas filhas e é também professora, estava pesquisando o mesmo assunto e, por acaso começamos a conversar. O pediatra de suas meninas havia sugerido a vacina. Minha colega estava de fato, preocupada, e apesar de considerar que elas estariam distantes de sua iniciação sexual, pensava seriamente se era apropriado vaciná-las imediatamente ou esperar um ou dois anos. Ou seja, de cara, veio a diferença: a questão não era se – e sim quando. E mais, este quando não seria em um futuro distante – seria breve, por precaução. É claro que em nossa conversa debatemos as estatísticas do IBGE que dizem que a vida sexual das brasileiras tem começado cada vez mais cedo: já nos primeiros anos da adolescência. Tenho certeza que esta discussão a fez pensar ainda mais, pessoa esclarecida que ela é.

Esta minha colega ainda, sentiu-se no dever de comentar com suas alunas – ela dá aulas para a faixa etária recomendada para vacinação – sobre a existência da vacina e da necessidade das meninas procurarem informações extras com seus pais, informando-os deste novo achado da medicina, caso eles ainda não soubessem.

Comecei até a pensar que aqueles pais mencionados no início eram os únicos ainda presos na Idade Média.

“Doce ilusão!”, como diria a falecida e ainda querida mãe de uma amiga.

Logo depois, me deparei com a notícia de que, em uma cidade dos Estados Unidos, onde a vacinação foi feita nas escolas, houve pais que reclamaram e chegaram a ir à justiça usando da mesma argumentação ignorante: estão incitando nossas filhinhas ao sexo.

Como se alguém precisasse incitar adolescentes “nada hormonais” ao sexo...

De fato, o que parece ser verdade é que a humanidade saiu da Idade Média, mas a Idade Média não saiu do coração da humanidade – usando frase muito falada em minha família em diversos contextos e com substantivos outros no lugar de humanidade e Idade Média.

Mas, aquele casal do início não me sai da cabeça. Espero sinceramente que, no futuro, suas filhas não venham a culpá-los por dores que poderiam ter sido evitadas.

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