sábado, 15 de agosto de 2009

Estado Ateu ou Estado Laico: sobre a geléia geral feita destes conceitos

Esta semana saiu na edição do Correio da Cidade, um dos principais jornais da cidade de Conselheiro Lafaiete, comentário de um articulista referente ao pedido de liminar feito pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do estado de São Paulo. Tal liminar determinaria que todas as imagens e símbolos religiosos em exposição em repartições públicas federais do país fossem retirados.

A opinião do referido articulista me surpreendeu – de acordo com o mesmo, a retirada de tais símbolos ofenderia a fé dos brasileiros, os quais se reconhecem como cristãos. Ele ainda parte para a acusação afirmando que este pedido só pode ter sido feito por pessoas que “temem” ao Deus cristão e aos seus olhos acusadores – já que os símbolos em exposição seriam, segundo o próprio colunista, representações que remetem ao Cristo e à fé inaugurada por ele.

Bem, a verdade é que esta coluna me deixou extremamente desapontada. E furiosa também: pretensão e preconceito travestidos de conhecimento ainda me surpreendem bastante.

Explico-me, como sempre – mas antes de explicar-me, reafirmo que, pessoalmente, não possuo absolutamente nada contra nenhum tipo de fé, seita ou religião (para evitar mal-entendidos). Desde, é claro, que a mesma defenda princípios fundamentais baseados no amor e respeito ao próximo – princípios estes que tornam a convivência social possível. Sendo assim, nem judeus, nem praticantes do umbanda ou do candomblé, nem muçulmanos ou quaisquer outros pertencentes às centenas de expressões de fé existentes e compreendidas no mundo, ou mais especificamente, dentro do território brasileiro, serão alvo de meu desrespeito ou preconceito.

Nem mesmo, no que depender de mim, terão de contemplar imagens que nada lhes dizem, em local de destaque e veneração em repartições públicas – repartições estas que são sustentadas pelos impostos pagos também por eles, não apenas pelos que são cristãos - é sempre conveniente lembrar.

Mas, raciocinemos como o colunista do Correio – apenas usando um princípio cristão, a chamada Regra de Ouro: o de não fazer aos outros o que não queremos nós mesmos sofrer, segundo defendido pelo Cristo. Assim, empaticamente, imaginemos a situação ao contrário: será que o mesmo articulista se sentiria confortável se, ao adentrar um local público – federal ou não – se deparasse com a imagem de Yemanjá ou de qualquer outra divindade cultuada nas inúmeras religiões e seitas existentes em nosso país? Ficaria ele, que se admitiu cristão, ofendido? Ficariam as pessoas que sustentam argumentação semelhante à dele ofendidas? Solicitariam que tal imagem fosse retirada? Reclamariam que este se trata de país cristão e, devido a isto, tal símbolo estaria alocado inapropriadamente?

Você, cristão, poderia, realmente, responder não às perguntas anteriores?

Desta forma, não estariam estas pessoas, ao afirmar que os símbolos da fé cristã devem continuar expostos, defendendo que pessoas de crenças diferentes não devem se ofender com uma situação que ofenderia a eles, cristãos? E o princípio da empatia na Regra de Ouro mencionada por Jesus? Vale apenas quando aplicada a nós e não aos outros?

Ora, pois o que me pergunto é se aqueles que argumentam contra a retirada de tais símbolos esquecem-se de que, se por um lado, o Brasil não é um país ateu – já que a maioria de seus habitantes possui pelo menos uma fé religiosa – não é também país de uma única fé, já que abriga crenças que vão desde as cristãs, passando pelas religiões de origem africana, muçulmana, judaica além das várias filosofias como o budismo, confucionismo e etc.

Ainda, quando digo “pelo menos uma fé religiosa”, há outra interpretação plausível, já que há aqueles que, à moda do Brasil – que é o país da mestiçagem - rezam na missa aos Domingos, estudam com os kardecistas às quartas e batem tambor às sextas-feiras crendo tanto no poder de Jesus quanto no de Oxalá ou dos espíritos iluminados - com a mesma intensidade.

E mais, mesmo entre os que defendem a fé cristã, há aqueles que negam veementemente o uso de qualquer imagem que represente o divino, como as Testemunhas de Jeová, já que esta é uma proibição expressa em trechos da Bíblia cristã que se repetem tanto no antigo, quanto no novo testamento.

O fato de que há uma imensidão de crenças, religiões e seitas em nosso território - além, é óbvio, daqueles que se professam ateus - e que os cidadãos que professam tais crenças têm que ser vistos com igual respeito pelo Estado escapa a todos os que defendem que a simbologia religiosa é bem-vinda em locais mantidos – já que são os cidadãos que pagam impostos – e freqüentados por pessoas que não compartilham das mesmas crenças.

Desta forma, uma opção, por questão de justiça é: se se defender que um ou outro símbolo de fé é bem-vindo, deve-se decidir que todos são – sem deixar nem mesmo o espaço reservado para aqueles que não possuem fé alguma. Imagine-se a babel de simbologias expostas que isto não geraria.

A outra opção é a proposta inteligentemente defendida pelos procuradores de São Paulo e que, certamente, soa menos confusa e exagerada do que a mencionada no parágrafo anterior: retirem-se os símbolos dos locais que pertencem a todos – já que é isto o que a palavra público quer dizer – e deixe-se a devoção para a casa dos indivíduos e que lá, cada qual mantenha seus locais de adoração da forma como achar apropriado. E que, possam estes professar sua fé e praticá-la, sendo todos eles respeitados de maneira igual pela nação.

Tal decisão não tornaria o Estado Ateu – sem Deus. Apenas reconheceria que a liberdade religiosa defendida pelo Estado Laico, neutro em questões religiosas, significa respeitar a decisão de cada indivíduo de servir àqueles deuses que considera merecedores de sua fé, e não privilegiar esta ou aquela divindade em locais públicos – já que os brasileiros não são 100% católicos, ou protestantes, ou judeus, ou ateus, ou o que quer que seja em termos de religião.

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