segunda-feira, 31 de agosto de 2009

PRECONCEITO SE APRENDE EM CASA, NA ESCOLA...

Semana passada, ainda no jornal da manhã, vi um fato, acontecido no estacionamento do Carrefour (São Paulo), que, mais uma vez, me fez refletir sobre a questão da discriminação de cor que existe no Brasil.

Preconceito de cor, sim. Recuso-me a usar a palavra raça – já que creio que todos nós, homo sapiens, mesmo que de origens e etnias diferentes, pertençamos à mesma raça: a humana e, como tais, somos detentores dos mesmos direitos e obrigações.

É claro que, sempre existirão aqueles que, em prol de defender seus conceitos e vantagens, sob forma de indenização procrastinada sobre males históricos, defenderão o conceito de raça negra, raça branca, raça amarela, raça indígena, raça dominante, raça subjugada, etc., tentando separar aqueles que são sofredores ou não, injustiçados ou não. Como se, em um país multicolor como o Brasil, fosse possível separar aqueles que descendem de tal ou tal etnia pela sua aparência, ou pela aparência de seus descendentes.

Mas, o fato reportado no jornal foi o seguinte: seguranças do mencionado supermercado espancarem um cidadão, da cor preta, no estacionamento, por concluírem que o mesmo estava roubando seu próprio carro.

Eu, ainda deitada e cochilando, imediatamente despertei e comecei a prestar atenção. Assuntos assim me interessam sobremaneira já que, como pertenço, pelo lado materno, a uma família de negros, (evocando conceitos de raça segundo preferem alguns, em vez da terminologia oficial pretos, que se refere somente à cor da pele), cheguei a presenciar o preconceito em diversas ocasiões.

A primeira de todas, e a que considero mais relevante, por ter me feito refletir, tendo acontecido há muitos anos, eu ainda menina. Meu pai havia comprado uma cota em um clube, no bairro Serra Verde, próximo à casa de minha avó Hilda, a mãe de minha mãe. Ele procurou saber quais os procedimentos que seriam necessários para que levássemos dois convidados – minha avó e minha tia, que era da minha idade.

Todas as exigências cumpridas, seguimos todos para o clube – meus pais, minha irmã e eu, além de minha avó e minha tia.

Ao parar na portaria, meu pai foi discretamente chamado para a gerência, enquanto aguardávamos do lado de fora, antes da cancela. Ele demorou-se alguns minutos e depois saiu, de cara séria e levou-nos embora.

Ficamos todos sem entender, já que ele não mencionou o que haveria acontecido.

Seguimos para a casa da vovó e lá, eles nos mandaram – éramos crianças – brincar no quarto, enquanto discutiam algo na sala. Obviamente, que curiosa como eu estava, dei um jeito de ficar ouvindo o que falavam, sem ser percebida. Sei que isto é horrível, mas vai explicar isto para uma criança de cerca de 8 anos cujo passeio ao clube fora frustrado sem explicações!

Ouvi meu pai, que não é caucasiano, mas é considerado branco para os padrões brasileiros, explicar à minha mãe e minha avó que a entrada dela e de minha tia havia sido barrada devido à cor da pele delas – eram pretas.

Sinceramente falando, eu jamais havia me dado conta disto: minha avó, minha tia, meus dois tios - irmãos de minha mãe - meus tios-avôs e tias-avós - irmãos de minha avó - e todos os meus primos eram pretos; alguns mais claros, como a Camila Pitanga, outros mais escuros, como o Grande Otelo, mas todos pretos.

Eu jamais percebera, ao longo da minha vidinha de 8 anos, de que havia algo de diferente entre esta parte da minha família e a outra, do meu pai, que era branca (obviamente que para os padrões brasileiros, o qual difere das definições utilizadas mundo afora para caucasiano).

Sendo assim, do mesmo jeito que eu gostava da minha avó que acabara de descobrir que era preta – e ainda amo - eu gostava da minha avó branca, a Luíza, que já faleceu há alguns anos. Amava e respeitava aos meus tios e tias da mesma maneira, brincava com todos os primos do mesmo jeito – nem eu, nem minha irmã, fomos ensinadas a ver ou fazer diferença entre as pessoas devido à cor de sua pele. Fomos ensinadas a amar e respeitar aos nossos e aos outros - e ponto final.

A questão da cor da pele jamais havia sido discutida ou mencionada como sendo algo que fizesse parte de qualquer decisão que tivéssemos que tomar ou de qualquer sentimento que fôssemos desenvolver por alguém.

Tanto foi assim que, apenas naquele momento, eu percebi que aquele “negócio” de pretos e brancos, do qual eu ouvira falar na escola, referia-se também à minha família e, consequentemente, a mim – que apesar de ter uma cor classificada como branca por muitos, não sou caucasiana.

E posso dizer que fiquei com raiva. Muita raiva. Raiva das pessoas que haviam impedido o nosso passeio por fazerem uma diferença entre seres-humanos, diferença esta que, em minha sabedoria infantil, eu sabia que não havia. Raiva por ter visto minha avó receber a notícia com tristeza e abatimento.

O sentimento foi tão forte que, até hoje, quando falo do assunto, sinto a mesma efervescência interna – raiva como apenas as crianças são capazes de sentir.

Desde então, tudo que se refere ao preconceito de cor, considero ser de meu interesse: acompanho bem de perto. E continuo a me chocar com a forma com que as pessoas tratam seus iguais.

Daquele momento em diante, comecei a observar como este mal social está enraizado em nossa sociedade – onde se dizer que se é preconceituoso é ofensivo e inaceitável. É crime passível de prisão, inclusive.

Mas, onde também se contam piadas que envolvem pessoas pretas, em situações vexatórias, e se ri delas sem a menor cerimônia. Onde pessoas que fazem a segurança de um local público sentem-se no direito de espancar outra porque um carro, pago à custa de muito trabalho, não pode pertencer a alguém preto e de aparência simples.

Observei também, ao longo de meus anos como aluna, a maneira pela qual, apesar de pertencer a um país onde a mistura de etnias e cores é a regra histórica e não a exceção, a nossa história é branca. É o que se vê nos nossos livros.

Em épocas em que a internet não existia e a fonte maior de pesquisa era a Barsa, interpelei meus professores diversas vezes quanto a se não havia pretos que participaram ativamente da construção de nosso país, de nossa história. A resposta era sempre a mesma: “Claro que sim: Zumbi e Xica da Silva”. Mas só eles? - era o que eu me perguntava.

A medida em que fui crescendo, a temática do preconceito começou a ser mais discutida socialmente e a informação tornou-se menos difícil, comecei a procurar por mim mesma as minhas respostas. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que alguns de nossos nomes da literatura eram mulatos. Nomes de peso como o de Machado de Assis.

Descobri ainda, mencionando apenas algumas figuras, pessoas relevantes como Luiz Gonzaga Pinto da Gama, João Cândido Felisberto, Abdias do Nascimento. O primeiro, jurista e jornalista que, em épocas de escravidão, utilizava-se de meios legais para garantir a liberdade de escravos. O segundo, em épocas em que legalmente a escravidão já era extinta, lutou contra os castigos corporais na Marinha brasileira na chamada de Revolta da Chibata. Já Abdias é um nome influente na atualidade defendendo o respeito ao povo preto, negro como ele prefere, e a sua inclusão social através de políticas de proteção, como as cotas em universidades.

Segundo meus argumentos já devem ter deixado claro, sou contra as tais cotas oferecidas àqueles de determinada cor – já que, meramente a cor não faz com que o indivíduo seja necessitado de auxílio ou seja incapaz de conseguir sucesso por méritos próprios. Defendo, antes, que a proteção do Estado seja dada a todos os que dela necessitam por encontrarem-se em desvantagem social – ou seja, a todos os pobres, independentemente de sua cor ou ascendência. Mas, porque discordo de pontos defendidos por aquele poeta, ator e ativista, não quer dizer que ele não exista!

Desta forma, hoje, como adulta, tendo refletido muito sobre aquele primeiro acontecimento de preconceito que eu presenciei, me informar e ler, posso entender que preconceito, não se nasce com ele – se aprende, ou não. Em minha família, por exemplo, não o aprendemos.

Porém, a temeridade que percebo é que, mesmo não tendo aprendido o preconceito em casa, eu também poderia tê-lo aprendido na escola ou no convívio com outros.

Na escola, sim, pois como explicar o fato de que inexistem nos livros personagens relevantes advindos das principais etnias – branca, preta ou indígena? Fica implícita, a meu ver, a conclusão de que pretos e indígenas não colaboraram historicamente por incapacidade. De que outra forma sua ausência poderia ser entendida por aqueles que não se deram ao trabalho de pesquisar e saber que eles existiram e que estão meramente omitidos ou citados de passagem?

Sendo assim, entendo como sendo não apenas meu dever, como educadora, mas o de toda uma sociedade ensinar a seus filhos que discriminação de qualquer espécie – cor, sexo, religião, orientação sexual, posição social – é vergonhosa e criminosa.

E que, principalmente em nosso país, não somos nem pretos, nem brancos, nem amarelos, nem indígenas – somos todos brasileiros, descendentes diretos ou indiretos de várias etnias e que, por isso, devemos aceitar e respeitar a todas, já que todas compõem a nossa ascendência e a nossa história. Em nosso DNA estão presentes tanto os violinos europeus quanto os tambores africanos e ameríndios.

Apenas com esta compreensão teremos, enfim, a consciência de povo, enquanto nação brasileira, orgulhosamente multicolor.

Um comentário:

Unknown disse...

Parabensz boa materia

 
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