quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Professor e sua representação social

Leciono há dezesseis anos – iniciei-me no magistério aos 15 anos, ensinando primeiro a meus amigos e, pouco a pouco, chegando à sala de aula.

Dou aula em cursos livres de inglês em Conselheiro Lafaiete além de lecionar em escola regular – do nono ano do ensino fundamental ao segundo ano do ensino médio. Sendo assim, como professora, tenho um leque amplo de alunos que vão desde crianças de sete anos a adultos.

Assim, comprovo no meu dia-a-dia algo que aprendi ainda adolescente, como aluna do CMBH (Colégio Municipal de Belo Horizonte): professores são modelos de comportamento para seus alunos. Podem ser modelos do que eles querem ser, ou exatamente do oposto – dependendo da afinidade que desenvolvem com seus pupilos.

Falando de meu antigo colégio, é impossível não recordar que a disciplina lá era bem diferente da encontrada na escola estadual de onde eu vinha. Exemplifico: tínhamos até mesmo que levantar a calça para mostrar a meia branca ao entrar na escola, tal o rigor com relação ao nosso comportamento e a tudo o mais.

Nós, alunos, encarávamos a disciplina rigorosa com naturalidade – reclamávamos, é claro, mas cumpríamos tudo o que era esperado de nós, já que a escola onde estudávamos era referência na rede Municipal tendo até mesmo prova para admissão e fila de excedentes. Em compensação, vários de seus alunos eram aprovados nos vestibulares quando chegavam ao terceiro ano do Ensino Médio.

Enquanto ainda estudava no CMBH iniciei minha carreira de professora. Eu era uma das monitoras que ajudava aos alunos com dificuldade, além de gerar renda dando aulas particulares. Assim, muito cedo, minha visão foi ampliada – além de ver os acontecimentos pela perspectiva do aluno, ainda os via pela perspectiva do professor.

Como aluna, eu admirava os grandes professores que tinha e queria ser igual a eles. Aristides (Matemática), Tânia Moreira (História), Viola (Química), Regina (Português), Beatriz Reis e Jane (Inglês) – eram professores maravilhosos cuja maneira clara, objetiva de ensinar facilitava nosso aprendizado. Suas aulas não eram absolutamente silenciosas. Mas também não eram barulhentas, nem desorganizadas – participávamos, opinávamos. Quando nos excedíamos, eles nos chamavam a atenção, sem nos desrespeitar e obtinham a ordem necessária para o desenvolvimento da aula.

Havia ainda o SOE (Serviço de Orientação Educacional) – pavor dos que possuíam pais rigorosos, já que uma chamada ao SOE equivalia à chamada dos pais para uma “Reuniãozinha” – que culminava no tradicional puxão de orelhas em casa.

Mas eu também execrava os professores muito tradicionalistas que não nos respeitavam, ou que não explicavam direito, ou que pensavam que não tínhamos o direito de questionar ou reclamar – como alunos deveríamos apenas obedecer.

Como professora e como pessoa, tentava me espelhar nos educadores que eu admirava emulando as técnicas usadas por eles. Durante as aulas de monitoria, eu percebia que muitos realmente tentavam entender, mas tinham dificuldades complicadas para serem vencidas apenas com as aulas em sala. Ao mesmo tempo, cansei-me de esperar por alguns dos malandros que agendavam aulas de monitoria para dar uma satisfação aos pais e coordenadores e jamais apareciam. E mais, me estressava com os colegas que, simplesmente esqueciam-se da hora de fazer silêncio – com o afrouxamento das regras que aconteceu aos poucos ao longo dos anos em que lá estudei, eles sabiam que nada aconteceria a eles, então, não se davam ao trabalho de prestar atenção.

Mudei-me para outra cidade, mas continuei muito perto do magistério já que, como sempre havia dito, tornei-me realmente professora fazendo desta minha profissão. E, sempre acreditei no que o Aristides e a Tânia diziam: o professor é um modelo e deve saber também se comportar – tanto em sala quanto fora dela. Digo também porque muitos acreditam falsamente que apenas alunos devem seguir normas de comportamento – o que é falso – elas existem para todos, como eu bem pude aprender lá no CMBH e sempre procurei aplicar em minha vida profissional e pessoal.

Recentemente, essa minha maneira de pensar – de que professores devem ser cautelosos com sua maneira de agir, já que são modelos para seus alunos, especialmente se são admirados por eles – veio à tona quando acompanhei pela TV alguns fatos que me chamaram a atenção. Dentre eles um destacou-se: o de uma professora do primário que, em show de Axé teve sua saia levantada no palco e continuou dançando e rebolando sensualmente arrebitando suas nádegas, enquanto o cantor puxava, com os dedos, sua calcinha para cima.

Esclareço: quanto a ela gostar de Axé, freqüentar shows, dançar – isto jamais consideraria problema. Cada qual escolhe a diversão que mais lhe convém.

Mas o fato de alguém que é um exemplo para seus alunos sentir-se confortável o suficiente com a exposição de seu corpo de maneira inapropriada, em poses sensuais, em público é muito grave. Denota que, em algum momento na formação dessa professora houve uma falha quando lhe foi demonstrado qual seria seu papel, enquanto ministradora de conhecimento, de valores sociais.

Um professor é também um educador – alguém que, mais do que apenas conteúdo, representa os tais valores sociais e éticos. Além disso, ele leva o nome da escola onde leciona – escolas devem ser ambientes respeitáveis onde imperam o zelo pelo conhecimento e o aprendizado para o excelente convívio social, já que está diretamente ligada à formação de seres humanos: de seu caráter, de sua maneira de pensar.

Consequentemente, como se pode pensar ser possível ser-se professor e expor-se daquela maneira?

Imagine a situação: pais e mães explicam à suas filhas e filhos pequenos que o corpo deve ser preservado e não deve ser exposto frente a estranhos. Explicam-lhes que estes estranhos não estão autorizados a tocar neles, especialmente em suas partes íntimas – que, na verdade, ninguém está. Esta é uma preocupação freqüente dos pais – especialmente em épocas de inúmeros casos de pedofilia.

Depois de toda esta orientação, os filhinhos e filhinhas chegam à escola onde lhes são ensinados os mesmos princípios.

Como eles reagiriam ao se deparar com imagens da professora, que muitas vezes é admirada, de quem eles gostam e respeitam, dançando e fazendo exatamente o que eles foram ensinados a não fazer?

Se você pensar que crianças de 9 ou 10 anos não têm acesso à internet, não seja iludido: se eles não acessam a rede de sua casa, certamente o fazem da escola, da casa dos amigos, do curso de inglês – e ao saber da divulgação no youtube, com certeza procurariam e assistiriam aos vídeos. E uma possível pergunta a surgir na mente daqueles que acham as regras paternas uma “chatice” – e cujos hormônios estão aflorados: se a professora pode, porque eu não?

Naquele período de transição da infância para a adolescência e ao longo da mesma, os pais, por mais bem intencionados e corretos que sejam, não são mais os modelos prioritários de seus filhos. Nesse período, eles emulam o comportamento de outros colegas da mesma idade, outros conhecidos pouco mais velhos e, segundo pesquisas utilizadas até mesmo em programas públicos como o PROERD (programa da Polícia Militar mineira que previne o uso de drogas entre crianças e adolescentes), seus professores.

Mas não aquele professor chato, antipático e antipatizado que destrata seus alunos. Antes, reproduzem o comportamento daqueles que eles têm em boa conta, com os quais tenham o que chamam de “sintonia”, já que se sentem compreendidos por eles.

E isto é ótimo!

E péssimo também. Explico-me: ao passo que certamente esta é uma oportunidade para os alunos entrarem em contato com maneiras de pensar e comportamento diversos daqueles a que estão familiarizados em casa, tornando-os mais culturalmente enriquecidos, pode também se mostrar um perigo se esse professor não mantiver determinados princípios e uma postura adequada ao cargo que possui. Porque, se, por exemplo, um engenheiro(a) autônomo(a) tivesse o comportamento demonstrado por aquela professora, seria, no máximo, ridicularizado aos olhos de alguns, ignorado por outros. O dano que causaria seria à sua própria imagem.

Mas, se alguém que serve de modelo, ou que representa os valores sociais que prezamos como um padre, um pastor, um pedagogo, um médico, um bombeiro – ou um professor – tomam aquelas mesmas atitudes, considerando-se que eles ou estão intimamente ligados ao desenvolvimento intelectual dos jovens ou representam valores sociais como a caridade, o auxílio ao próximo, etc., ele causa dano maior – não apenas a si. Ele espanta a toda a sociedade, já que a mesma entende que suas melhores características são representadas no exercício destas (e de outras) profissões relacionadas.

É claro que professores não são e nem devem tentar ser perfeitos – isto apenas os frustraria já que a perfeição caminha longe da humanidade. Mas, eles devem ter consciência do que representam tanto para a sociedade como um todo quanto para cada um de seus alunos enxergando assim com clareza seu papel de educador e de possível modelo para gerações ainda em desenvolvimento ético e moral.

E, se você pensa que não, que a tal professora não estava exercendo sua profissão, por isso poderia comportar-se como bem entendesse, imagine-se pai ou mãe de uma criança – e ajude a aumentar as estatísticas do vídeo no youtube. Depois de assisti-lo, responda a verdade: você permitiria que aquela pessoa desse aulas para seu pequeno?

Um comentário:

Meiriane Saldanha disse...

Dale Professora! Em minhas pequenas incursões pelo magistério (inglês e regras de etiqueta) sempre pensei nos valores que estava construindo nas mentes em formação, nunca tão profundamente como o exposto aqui, nem com tamanha precisão. Mas Tenho certeza que esse é o caminho que deve ser seguido por todos os formadores de opnião, em todas as modalidades de profissões,refletir sobre sua função social sempre! Vc mostra ser um exemplo a ser seguido não só por alunos mas por todos que a cercam! Parabéns! E parabéns pelo Blog, eu tb blogo, de um tempo pra cá, mais raramente... mas devo retornr em breve! abraço fraterno, Mei.

 
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