terça-feira, 20 de outubro de 2009

Heavy Metal in my ears is all I ever want to hear! (1)

A frase em inglês que dá titulo a este artigo foi escrita por Mark “Shark” Shelton, um simpático senhor americano, que desde os anos 70 e, ainda hoje, lidera uma das bandas precursoras do som agressivo que hoje caracteriza o heavy metal e algumas de suas vertentes. A banda em questão é o Manilla Road, que conta hoje com mais de 30 anos de história.

Esta mesma frase ainda, poderia ser considerada a epítome do sentimento dos aficionados a este estilo musical – afinal, nestes anos me embrenhando pelos diversos estilos musicais e observando os interessados em cada um deles nunca encontrei mais ardorosos do que os seguidores do heavy metal. São, de fato, fãs xiitas, no pleno sentido do termo, não raro adotando a postura de Joey DeMaio (baixista da banda Manowar) que incansavelmente defende o True Metal.

O Manilla Road, apesar do pouco sucesso que faz por aqui, mostrou ao longo destes anos que, se de fato existe algo chamado Metal Verdadeiro, ele está bem representado em seu som. Houve variação no número de componentes (sempre entre três e cinco), entretanto, Shelton conseguiu manter as características do som ao longo dos anos: a guitarra com riffs pesados, algumas vezes, semi-ocultos pela bateria absolutamente marcante caracterizada pelo uso intenso dos pratos e chimbal, com viradas que se sucedem feitas com maestria de forma a não se tornarem repetitivas nem tornar o som cansativo. Ótimo exemplo disto está no álbum Open the Gates (1985), de cuja música Heavy Metal to the World tirei a frase usada acima. É neste álbum que também está uma das minhas prediletas deles: Astronomica, música que fala da capacidade humana de reverenciar o divino, seja qual for a representação escolhida. Ela foi baseada na obra homônima de Marcus Manilius (poeta e astrólogo romano). Observa-se neste álbum ainda, uma bateria mais pesada que no Crystal Logic (1983), já que houve a substituição de Rick Fisher (um baterista mais veloz) por Randy Foxe que imprimiu mais peso ao som da banda.

O tema do divino é muitas vezes abordado nas letras do Manilla. Isto é acertadamente atribuído ao fato de que o principal letrista da banda, o perene “Shark” Shelton, é extremamente interessado nesses assuntos, tendo, até mesmo estudado antropologia.

Desta forma, o som da banda está envolto em misticismo e lenda versando sobre temas como a corte do Rei Arthur, Atlântida, bruxaria, sempre mostrado predileção por temáticas bretã, celta e nórdica.

Hoje a banda renovada, mas ainda fiel ao True Metal e à temática mencionada, continua lançando obras que valem a pena serem adquiridas e ouvidas como o Spiral Castle (2002) e o Gates of Fire (2005).

Assim, o Manilla Road comprova, junto a outros grandes nomes como AC/DC e Manowar que é, sim, possível se manter fiel a um estilo, mesmo após décadas, sem cair no marasmo e na chatice.

(1) Tradução Livre: Heavy Metal é tudo o que quero ouvir!

Joana D’Arc de Mark Twain??

Publicado no jornal Conhece-te a ti mesmo, edição de Out./09

Foi esta a pergunta que me fiz ao me deparar com o livro sobre o qual prosearemos este mês, na prateleira de um dos supermercados de Conselheiro Lafaiete.

Já conhecia Mark Twain, o pseudônimo mais famoso de Samuel Langhorne Clemens (1835-1910), um dos escritores americanos modernos mais respeitados. Já li várias de suas obras: contos, livros. Neles, o que há de sempre presente é sua veia humorística, extremamente crítica – e por vezes imoral: ele usou seu grande talento para denunciar a escravidão, por exemplo, além de retratar pitorescamente a realidade das pessoas comuns reproduzindo seus diálogos e seu modo de vida, ou para questionar a importância da religião ou para exaltar, por exemplo, os prazeres do onanismo.

Devido ao teor altamente explosivo de alguns de seus escritos, sua família evitou a publicação de vários deles, que apenas vieram à luz décadas depois de sua morte. Suas histórias e personagens mais famosos orbitam ao redor do rio Mississipi e do modo de viver dos barqueiros – profissão que ele mesmo exerceu em uma parte de sua vida e de onde, segundo ele mesmo, retirou seu Mark Twain. Este seria um grito dos condutores de barcos que significaria que havia profundidade suficiente para navegação em determinado trecho do rio. Tal explicação dada por Clemens é questionada – e dada a sua fértil imaginação, não seria de se assustar se se comprovasse que é fictícia. O assunto, portanto, permanece inconcluso.

É deste universo social permeado de humor, ironia, sagacidade e também da maldade humana é que surge um livro absolutamente inesperado como Joana D’arc: Reminiscências pessoais de Joana D’Arc pelo Senhor Louis de Conte (seu pajem e secretário), subtítulo esse que faz referência ao fato ficcional de que o próprio auxiliar de Joana D’Arc teria desenvolvido este relato. O livro foi escrito em 1896.

Para ainda mais ressaltar a verossimilhança, Twain acrescenta ainda a figura de uma terceira pessoa: o tradutor – pessoa ficcional – que teria traduzido do francês arcaico a crônica histórica de Louis de Conte, que por sua vez a escrevera quando já idoso.

A narrativa pelo olhar de Conte, feita por Twain, tornou a história quase palpável – mesmo nas partes onde a menina conversa com anjos.

O livro é dividido em três partes: I) Em Domrémy; II) Na corte e no Campo de Batalha e III) Julgamento e Martírio.

Na primeira parte conhecemos Joana ainda criança, crente em Jesus e nas fadas com a mesma intensidade. É dito no livro que as crianças do vilarejo de Domrémy são, desde sempre, protegidas por suas amigas fadas que são banidas por um grande engano. Conhece-se ainda a maneira como Joana desenvolve sua enorme habilidade oratória que a levou a grandes vitórias e conquistas.

Aqui, devo confessar que a doçura intensa da figura da menina chegou a causar-me certa repugnância – como se a mente recusasse a existência de alguém tão puro conforme ela foi descrita por seu amigo. Mas, há que se lembrar que a tessitura do texto de Twain tem como base a “produção” de um cronista medieval, o qual nutria grande admiração pela personagem tema, o que bem justifica o tom dulcíssimo da primeira parte da narrativa.

Na segunda parte a personagem transforma-se: de criança inteligente a adolescente decidida e convencida de suas obrigações divinas – o que leva até mesmo às pessoas mais improváveis a ajudá-la. O poder de sua oratória tão bem desenvolvido ao longo de sua infância é impressionante, apesar de que ela jamais frequentara escolas ou fora sequer ensinada a ler – daí a necessidade de ter um secretário pessoal de absoluta confiança que escreveria todas as suas cartas. Esse era na história, obviamente, o papel de Conte.

Aqui há, ainda, passagens pitorescas que me levaram às gargalhadas como quando o tio de Joana descreve um acontecimento em que, ao adormecer no campo, esperando a hora para um velório, decide montar em um touro que, acidentalmente derruba uma colméia causando grande confusão no enterro.

Outras ainda lhe conduzem a um sentimento primordial de amor ao seu lugar, aos seus, à sua pátria como quando é descrita a tomada da bastilha de St. Loup: a forma como Joana o faz, na narrativa, sempre conduzindo seus soldados pela força de suas palavras e pela simbologia de seus atos é, de fato, emocionante. É-se capaz de sentir a fumaça dos canhões e o vento no rosto ao cavalgar-se sobre as palavras de Twain para dentro do campo de batalha ao lado da heroína francesa.

É aqui ainda, nesta parte do livro, que Joana deixa de ser uma pessoa e passa a ser a pátria – ela é a França e assim é vista pelos seus e como tal é defendida por seus soldados.

A terceira parte conta de seu julgamento pelo bispo de Beauvais Pierre Cauchon – posteriormente decretado herege pela Igreja por ter condenado à morte na fogueira uma inocente em troca de cargo e poder (oferecidos pelo governo inglês). É uma parte pesada e emocionalmente desgastante já que o narrador põe seus próprios sentimentos de expectativa de salvação que, sabe-se, são frustrados ao fim.

A narrativa é linear, a exemplo das produções medievais – Twain mostrou-se impecável emulando as características dos primeiros historiadores.

Twain, que admirava a Joana D’Arc histórica desde que um fragmento de sua história caiu em suas mãos quando ele era ainda adolescente, coloca-se sem intermediários – secretário ou tradutor - no apêndice, assinado por ele, onde ele esclarece alguns dos acontecimentos posteriores ao martírio da Donzela, como, por exemplo, seu julgamento de reabilitação, aberto vinte e cinco anos após sua queima como bruxa e herege.

O autor mescla ficção e história – sua pesquisa para a construção deste texto durou mais de uma década, o que lhe dá forte embasamento histórico. Sendo assim, é-se conquistado pela figura fictícia/histórica desta adolescente que, aos dezessete anos de idade, sem possuir escolaridade em nenhum nível, torna-se a comandante máxima do Exército Francês, conduzindo-o à reconquista da França que jazia sob o controle inglês por décadas.

E mais, tornou-se santa: ela foi canonizada em 1920, dez anos após a morte do escritor americano.

Assim, conhecemos Joana D’Arc - pelo olhar de Mark Twain – alguém histórico, cuja vida pode ser lida nos processos em que foi envolvida – mas que certamente, está além de qualquer explicação racional.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Professor e sua representação social

Leciono há dezesseis anos – iniciei-me no magistério aos 15 anos, ensinando primeiro a meus amigos e, pouco a pouco, chegando à sala de aula.

Dou aula em cursos livres de inglês em Conselheiro Lafaiete além de lecionar em escola regular – do nono ano do ensino fundamental ao segundo ano do ensino médio. Sendo assim, como professora, tenho um leque amplo de alunos que vão desde crianças de sete anos a adultos.

Assim, comprovo no meu dia-a-dia algo que aprendi ainda adolescente, como aluna do CMBH (Colégio Municipal de Belo Horizonte): professores são modelos de comportamento para seus alunos. Podem ser modelos do que eles querem ser, ou exatamente do oposto – dependendo da afinidade que desenvolvem com seus pupilos.

Falando de meu antigo colégio, é impossível não recordar que a disciplina lá era bem diferente da encontrada na escola estadual de onde eu vinha. Exemplifico: tínhamos até mesmo que levantar a calça para mostrar a meia branca ao entrar na escola, tal o rigor com relação ao nosso comportamento e a tudo o mais.

Nós, alunos, encarávamos a disciplina rigorosa com naturalidade – reclamávamos, é claro, mas cumpríamos tudo o que era esperado de nós, já que a escola onde estudávamos era referência na rede Municipal tendo até mesmo prova para admissão e fila de excedentes. Em compensação, vários de seus alunos eram aprovados nos vestibulares quando chegavam ao terceiro ano do Ensino Médio.

Enquanto ainda estudava no CMBH iniciei minha carreira de professora. Eu era uma das monitoras que ajudava aos alunos com dificuldade, além de gerar renda dando aulas particulares. Assim, muito cedo, minha visão foi ampliada – além de ver os acontecimentos pela perspectiva do aluno, ainda os via pela perspectiva do professor.

Como aluna, eu admirava os grandes professores que tinha e queria ser igual a eles. Aristides (Matemática), Tânia Moreira (História), Viola (Química), Regina (Português), Beatriz Reis e Jane (Inglês) – eram professores maravilhosos cuja maneira clara, objetiva de ensinar facilitava nosso aprendizado. Suas aulas não eram absolutamente silenciosas. Mas também não eram barulhentas, nem desorganizadas – participávamos, opinávamos. Quando nos excedíamos, eles nos chamavam a atenção, sem nos desrespeitar e obtinham a ordem necessária para o desenvolvimento da aula.

Havia ainda o SOE (Serviço de Orientação Educacional) – pavor dos que possuíam pais rigorosos, já que uma chamada ao SOE equivalia à chamada dos pais para uma “Reuniãozinha” – que culminava no tradicional puxão de orelhas em casa.

Mas eu também execrava os professores muito tradicionalistas que não nos respeitavam, ou que não explicavam direito, ou que pensavam que não tínhamos o direito de questionar ou reclamar – como alunos deveríamos apenas obedecer.

Como professora e como pessoa, tentava me espelhar nos educadores que eu admirava emulando as técnicas usadas por eles. Durante as aulas de monitoria, eu percebia que muitos realmente tentavam entender, mas tinham dificuldades complicadas para serem vencidas apenas com as aulas em sala. Ao mesmo tempo, cansei-me de esperar por alguns dos malandros que agendavam aulas de monitoria para dar uma satisfação aos pais e coordenadores e jamais apareciam. E mais, me estressava com os colegas que, simplesmente esqueciam-se da hora de fazer silêncio – com o afrouxamento das regras que aconteceu aos poucos ao longo dos anos em que lá estudei, eles sabiam que nada aconteceria a eles, então, não se davam ao trabalho de prestar atenção.

Mudei-me para outra cidade, mas continuei muito perto do magistério já que, como sempre havia dito, tornei-me realmente professora fazendo desta minha profissão. E, sempre acreditei no que o Aristides e a Tânia diziam: o professor é um modelo e deve saber também se comportar – tanto em sala quanto fora dela. Digo também porque muitos acreditam falsamente que apenas alunos devem seguir normas de comportamento – o que é falso – elas existem para todos, como eu bem pude aprender lá no CMBH e sempre procurei aplicar em minha vida profissional e pessoal.

Recentemente, essa minha maneira de pensar – de que professores devem ser cautelosos com sua maneira de agir, já que são modelos para seus alunos, especialmente se são admirados por eles – veio à tona quando acompanhei pela TV alguns fatos que me chamaram a atenção. Dentre eles um destacou-se: o de uma professora do primário que, em show de Axé teve sua saia levantada no palco e continuou dançando e rebolando sensualmente arrebitando suas nádegas, enquanto o cantor puxava, com os dedos, sua calcinha para cima.

Esclareço: quanto a ela gostar de Axé, freqüentar shows, dançar – isto jamais consideraria problema. Cada qual escolhe a diversão que mais lhe convém.

Mas o fato de alguém que é um exemplo para seus alunos sentir-se confortável o suficiente com a exposição de seu corpo de maneira inapropriada, em poses sensuais, em público é muito grave. Denota que, em algum momento na formação dessa professora houve uma falha quando lhe foi demonstrado qual seria seu papel, enquanto ministradora de conhecimento, de valores sociais.

Um professor é também um educador – alguém que, mais do que apenas conteúdo, representa os tais valores sociais e éticos. Além disso, ele leva o nome da escola onde leciona – escolas devem ser ambientes respeitáveis onde imperam o zelo pelo conhecimento e o aprendizado para o excelente convívio social, já que está diretamente ligada à formação de seres humanos: de seu caráter, de sua maneira de pensar.

Consequentemente, como se pode pensar ser possível ser-se professor e expor-se daquela maneira?

Imagine a situação: pais e mães explicam à suas filhas e filhos pequenos que o corpo deve ser preservado e não deve ser exposto frente a estranhos. Explicam-lhes que estes estranhos não estão autorizados a tocar neles, especialmente em suas partes íntimas – que, na verdade, ninguém está. Esta é uma preocupação freqüente dos pais – especialmente em épocas de inúmeros casos de pedofilia.

Depois de toda esta orientação, os filhinhos e filhinhas chegam à escola onde lhes são ensinados os mesmos princípios.

Como eles reagiriam ao se deparar com imagens da professora, que muitas vezes é admirada, de quem eles gostam e respeitam, dançando e fazendo exatamente o que eles foram ensinados a não fazer?

Se você pensar que crianças de 9 ou 10 anos não têm acesso à internet, não seja iludido: se eles não acessam a rede de sua casa, certamente o fazem da escola, da casa dos amigos, do curso de inglês – e ao saber da divulgação no youtube, com certeza procurariam e assistiriam aos vídeos. E uma possível pergunta a surgir na mente daqueles que acham as regras paternas uma “chatice” – e cujos hormônios estão aflorados: se a professora pode, porque eu não?

Naquele período de transição da infância para a adolescência e ao longo da mesma, os pais, por mais bem intencionados e corretos que sejam, não são mais os modelos prioritários de seus filhos. Nesse período, eles emulam o comportamento de outros colegas da mesma idade, outros conhecidos pouco mais velhos e, segundo pesquisas utilizadas até mesmo em programas públicos como o PROERD (programa da Polícia Militar mineira que previne o uso de drogas entre crianças e adolescentes), seus professores.

Mas não aquele professor chato, antipático e antipatizado que destrata seus alunos. Antes, reproduzem o comportamento daqueles que eles têm em boa conta, com os quais tenham o que chamam de “sintonia”, já que se sentem compreendidos por eles.

E isto é ótimo!

E péssimo também. Explico-me: ao passo que certamente esta é uma oportunidade para os alunos entrarem em contato com maneiras de pensar e comportamento diversos daqueles a que estão familiarizados em casa, tornando-os mais culturalmente enriquecidos, pode também se mostrar um perigo se esse professor não mantiver determinados princípios e uma postura adequada ao cargo que possui. Porque, se, por exemplo, um engenheiro(a) autônomo(a) tivesse o comportamento demonstrado por aquela professora, seria, no máximo, ridicularizado aos olhos de alguns, ignorado por outros. O dano que causaria seria à sua própria imagem.

Mas, se alguém que serve de modelo, ou que representa os valores sociais que prezamos como um padre, um pastor, um pedagogo, um médico, um bombeiro – ou um professor – tomam aquelas mesmas atitudes, considerando-se que eles ou estão intimamente ligados ao desenvolvimento intelectual dos jovens ou representam valores sociais como a caridade, o auxílio ao próximo, etc., ele causa dano maior – não apenas a si. Ele espanta a toda a sociedade, já que a mesma entende que suas melhores características são representadas no exercício destas (e de outras) profissões relacionadas.

É claro que professores não são e nem devem tentar ser perfeitos – isto apenas os frustraria já que a perfeição caminha longe da humanidade. Mas, eles devem ter consciência do que representam tanto para a sociedade como um todo quanto para cada um de seus alunos enxergando assim com clareza seu papel de educador e de possível modelo para gerações ainda em desenvolvimento ético e moral.

E, se você pensa que não, que a tal professora não estava exercendo sua profissão, por isso poderia comportar-se como bem entendesse, imagine-se pai ou mãe de uma criança – e ajude a aumentar as estatísticas do vídeo no youtube. Depois de assisti-lo, responda a verdade: você permitiria que aquela pessoa desse aulas para seu pequeno?
 
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