segunda-feira, 1 de março de 2010

“Sobre os perigos de quando se quer proteger uma nação de si mesma”

Publicado no jornal "Conhece-te a ti mesmo"

O belorizontino Lucas Figueiredo tem carreira de sucesso como repórter tendo trabalhado em jornais e revistas bem conhecidos nacionalmente. Decidiu, então incursionar pelos livros, sendo que Ministério do Silêncio: a história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005) é seu segundo livro, cujo subtítulo bem poderia ser substituído pelo título dessa matéria.

O tamanho dele assusta um pouco aos mais incautos (espero que não aos leitores desta coluna!) – são quase 600 páginas de texto, notas e referências históricas.

“De que trata o livro então? Qual é esse ministério?” – o leitor poderia se perguntar meio assustado, pensando que o nosso distinto presidente, mesmo em seu ano final, teria criado mais uma cadeira ministerial acrescentando-a a sua quase infinita lista de colaboradores entre ministros e secretários com status de ministro.

Mas, não. O título do livro remete-se à fala de um dos idealizadores do Serviço Secreto brasileiro, que o qualificou assim: como sendo um braço do governo com poderes de ministério, mas que zelaria pelo silêncio e pela manutenção do secreto enquanto protegia os interesses nacionais.

Quem se deleita com fatos históricos vai, de fato, apreciar a leitura deste livro, já que foi fruto de pesquisa minuciosa de onde se pode compreender com clareza como e quando aconteceram as fundações – porque, segundo minha interpretação dos acontecimentos narrados pelo autor, foram pelo menos, duas – da agência de espiões brasileiros, do SFICI (Serviço Federal de Informações e Contra-informação) até a atual ABIN (Agência Brasileira de Inteligência).

Ao longo da leitura ainda, tem-se uma visão clara da movimentação da máquina política brasileira – de onde o jeitinho e a astúcia não estão ausentes. Um belo exemplo foi a maneira pela qual Castello Branco, ao assumir a presidência, esvaziou os poderes de um desafeto chamado Portella, muito amigo de um seu desafeto ainda maior – o futuro presidente Costa e Silva. Portella, então, chefiava o SFICI – cargo cheio de poder e glamour. Castello Branco, sem tocá-lo diretamente, esvazia todas as suas funções, mantendo-o no “poder”, sem afrontar diretamente a perigosos brios, simplesmente transferindo as funções do serviço de informações para uma nova agência: o SNI (Serviço Nacional de Informações), colocando o novo órgão sob supervisão direta da presidência da república. Um golpe de mestre.

Entende-se ainda qual o pensamento daqueles que primeiro geriram as agências de inteligência brasileiras, e por extensão, o pensamento da maioria dos políticos da época que prevalece ainda vivo entre os populistas. Segundo eles, o “povo” é visto como uma massa desprotegida, inepta e carente da orientação e cuidados paternais do Estado, sem os quais se afundaria no lodaçal da ignorância.

E foi com este pensamento que os generais – lembrando que os serviços de inteligência sempre foram civis, mas geridos pelo exército – passo a passo decidiram eliminar a todos aqueles que quisessem trazer ao Brasil ideologias diferentes das defendidas por eles visando a proteção do “povo” da contaminação comunista.

Vê-se também como o governo americano influenciou grandemente o funcionamento da inteligência brasileira fornecendo manuais e treinamento para seus comandantes que promoveram, similarmente ao que aconteceu naquele país, uma caça às bruxas nacional, durante a qual comunistas – guerrilheiros ou não – foram expulsos do país ou, ainda pior, torturados e mortos em episódios já elucidados ou em outros ainda por se entender completamente, como a operação Marajoara, acontecida no Araguaia.

É necessário que se faça aqui um aparte – o autor pecou apenas em pequenos pontos do texto que soam panfletários. Essa característica consegue me enervar quando estou lendo algo que se identifica como sendo histórico, pois, segundo o que aprendi, relatos dessa natureza devem prezar pela neutralidade e pelo relato dos fatos. Assim, logo no começo, quase desisti da leitura quando marquei em vários lugares do texto partes com a famigerada palavra “panfletário”.

Nelas, o autor, discretamente, defende ou parece defender, o ideário comunista afirmando, por exemplo, que Fidel Castro e Che Guevara conseguiram libertar seu povo “da elite exploradora e, de troco, humilhar os ianques tomando aquilo que lhes era mais caro – seus bens” (pág. 72).

Embora o tom da prosa – extremamente leve e interessante do autor – seja irônico e sarcástico, em trechos como o mencionado, tem-se a impressão de que ele posiciona-se a favor de uma visão política em detrimento da outra. Isso, como já afirmado, deveria inexistir em um livro que se pressupõe factual.

Mas, é claro, continuei a leitura movida pela curiosidade – e porque não dizer: pela prosa interessante e pela pesquisa detalhada executada pelo autor – e não me arrependi.

Realmente, para alguém que como eu, viveu apenas os anos finais da ditadura – e mesmo assim como criança pequena – é sempre bom manter em foco as conseqüências gravíssimas que podem advir de governos paternalistas que tomam a peito o intento de proteger a nação da própria nação – e de seus reais desejos.

Periga-se descambar na ditadura, como fica bem claro pelo relato de Figueiredo.

Um comentário:

Cabral disse...

érica! Parabéns pelo texto!!!

 
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