quinta-feira, 29 de abril de 2010

A inocência em meio ao horror

Publicado no jornal Conhece-te a ti mesmo. Março/2010

Muitas vezes me decepcionei quando me arrisquei a ler livros ou a assistir filmes que são sucesso de crítica ou que todos estejam comentando. Fico meio “cabreira” só de perceber que o livro está na lista dos mais vendidos – muitas e muitas vezes pude observar que o fato de que a obra ali esteja não equivale a um atestado de boa literatura.

Se o livro virou filme, então, tenho verdadeiro terror tantas as vezes em que livros sem tempero que falam de lugares comuns tornaram-se filmes insossos que tratam dos mesmos lugares comuns. (Obviamente há exceções – O senhor dos Anéis, por exemplo, considero uma delas – livro excelente, filme idem).

Mas, mesmo assim, quando O menino de pijama listrado caiu em minhas mãos, pelo fato de uma amiga o estar lendo com interesse, tive minha curiosidade despertada. Acresça-se a isto o fato de o livro ser fininho – leitura para apenas algumas horas, quando muito – e vê-se porque pensei “Vou lê-lo. Se for ruim, não terei desperdiçado tanto tempo assim...”

Qual não foi a minha surpresa quando me vi absolutamente envolvida pela vida de Bruno, uma personagem ficcional de nove anos muito bem desenvolvida por seu autor John Boyne. Isso posso afirmar peremptoriamente – meu menino, o Achilles, tem 9 anos e é interessante como o pequeno da Literatura se assemelha a ele em sua compreensão de mundo limitada pela inexperiência e por seu olhar infantil – que não é simplista, mas apenas isto: infantil. Obviamente, tem-se que levar em conta as diferenças temporais e sociais.

A estória passa-se na Alemanha, na década de 40 do século passado. Bruno é alemão, tem uma irmã e vive com sua família. Seu pai é um oficial da polícia daquele país – e tem contato direto com um certo Fúria, que até mesmo o promove por seus bons serviços.

A criança é a narradora da estória e vemos tudo de acordo com seus olhos e com sua percepção. Este é um deslumbramento para o leitor, já que o hábito é que, mesmo quando o enredo possui personagens infantis, a visão destes é, normalmente, uma emulação da visão adulta, como algo caricato.

Nesta obra, não. É sempre Bruno quem nos descreve tudo de acordo com sua visão de criança pequena, instruída e protegida pelos pais de quaisquer más notícias ou fatos que julguem que ela não é capaz de compreender – como é o normal que aconteça em qualquer família. Seu vocabulário limitado é um ótimo exemplo disto – assim como as frases curtas e objetivas, tão características desta idade.

Assim, por exemplo, quando o Fúria (cujo nome Bruno não pronuncia corretamente) vai à sua casa para jantar, é descrito como um homem baixinho, de bigode pequeno e que comporta-se muito muito mal.

O fato de que Bruno pronuncie incorretamente, principalmente duas palavras: Fúria e Haja Vista – o local para onde toda a família é transferida após o jantar com o convidado mal-educado - também deixa o leitor atento aos detalhes de forma a decifrar quais seriam estes nomes, já que usando a percepção de adulto para interpretar a narração de Bruno vê-se que, os fatos envolvidos, na verdade, são os passados ao longo da Segunda Guerra Mundial. Aqui também é bom ressaltar o bom trabalho do tradutor, no caso do que li, Augusto Pacheco Calil, na escolha das expressões que, em Português, teriam o mesmo efeito causado pelas palavras escolhidas pelo autor: a versão de “Out-With” para “Haja-Vista” foi uma escolha interessante.

Mas, mesmo assim, talvez estes ainda não sejam os fatos ficcionais que absorvi como sendo os mais interessantes – são apenas o pano de fundo, extremamente bem elaborado pelo autor – que funcionam como embasamento para o desenvolvimento do enredo, que na verdade, tem sua parte principal desenvolvida em Haja-Vista.

Lá, Bruno vê pessoas isoladas por uma enorme cerca e justo pelo fato de ser uma criança poupada pela família, não compreende exatamente o que elas estejam fazendo lá e porque ele não pode brincar com as crianças do local e tem que ficar sempre sozinho.

É quando ele conhece o menino do título da estória – Shmuel, seu único amigo que está preso do outro lado da cerca.

Ali começa a parte principal do enredo que envolve ciúme, ganância, preconceito, relações familiares complicadas – todas palavras e expressões sisudas, adultas que jamais são mencionadas no livro – mas que são perfeitamente inferidas pelo leitor que tem sua curiosidade aguçada pela forma como é tecida a trama.

O fato de Bruno ignorar o que está acontecendo do outro lado da cerca foi fortemente criticado por alguns da comunidade judaica – assim como o fato de Shmuel – uma criança pequena viver naquele campo específico. Mas, devemos nos lembrar que este trata-se de relato ficcional onde o autor pretende defender que questões como o preconceito são aprendidas ao longo da vida – e não inerentes. No meu caso, não me impediu de enxergar verossimilhança na estória.

Assim, posso dizer, este é um livro que andou freqüentando listas de mais vendidos, sim. Também virou filme, claro. Criou expectativas grandes por isso, mas que, de maneira alguma, mostrou-se decepcionante.

Pelo contrário! Por sua singeleza cava feridas na nossa pele e no nosso coração quando vemos que, de fato, o homem é ainda seu pior predador.

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