terça-feira, 23 de março de 2010

Como se faz uma banda - Passo 1: a escolha dos parceiros.

Publicado no jornal "Conhece-te a ti mesmo" ed. Fevereiro 2010.


Finalmente você se decidiu: quer mesmo “brincar” de banda. Welcome to the jungle! – como já diria o Guns ‘n Roses. Porque é exatamente no jângal que você está entrando: terá dores de cabeça infindáveis, passará muita raiva, esperará horas sem fim por oportunidades de mostrar seu trabalho, para conversar com o dono daquele lugarzinho chinfrim que se faz de difícil – porque sim, basta a pessoa ter um palquinho de meio metro por meio metro para se sentir dono do Canecão ao saber que sua banda está querendo se apresentar por lá (obviamente, estas afirmações são generalizações e devem ser tomadas como tal).

Porém, até chegar de verdade no primeiro palco há um longo caminho que pode demorar de meses a anos. E o primeiro passo é escolher quem vai integrar a banda com você.

Aqui cabe um conselho: se aquele seu amigo que toca muito bem quer tocar com você – antes de dizer “Sim!” preste atenção a alguns detalhes: ele costuma comparecer às peladinhas marcadas com o grupo no horário, ou sempre chega atrasado ou às vezes nem vai e não se dá ao trabalho de avisar? Quando a galera marca de sair ou fazer algum programa junto, ele aparece ou é daqueles que no outro dia sempre diz que esqueceu, que não deu, que passou mal?

Porque se você, ao responder às minhas perguntas, percebeu que esse seu amigo é bom no instrumento, mas péssimo para cumprir compromissos, não vale nem a pena convidá-lo. Lembre-se de que banda é brincadeira séria – se apenas um dos integrantes tiver o mau hábito de faltar aos ensaios e reuniões sem motivo justo, ou se ele der pouca importância aos ensaios (que devem ser freqüentes se você quer alcançar qualidade), você e os outros terão muita dor de cabeça.

Na Achilles, por exemplo, ao longo dos cinco anos de sua existência, já tivemos incontáveis problemas com isto – chegando ao cúmulo de um ex-baixista “avisar” quatro dias antes que não poderia comparecer a um show! Então, prefira esperar a admitir como integrante alguém irresponsável. Pode demorar um pouco – aproveite o tempo para se aprimorar, complementar seus conhecimentos musicais que sempre podem ser expandidos (mesmo que você seja um Steve Vai) – e espere até que você consiga as pessoas certas.

Outro dado importante é lembrar-se que junto com o integrante vêm suas influências: então, se vai montar uma banda de Metal, tente encontrar gente que ame o estilo. O grande risco se você não fizer assim é a pessoa se cansar de tocar músicas que não curte - que, ainda por cima, são de difícil execução - e resolver sair.

Porém, não quero dar a impressão de que você deve escolher apenas exímios músicos para integrarem a sua banda. Muito pelo contrário – é preferível que você chame alguém que seja fã do estilo escolhido, que tenha vontade, disposição e compromisso – mas que não toque nada – a alguém que toque maravilhas e que vai deixar furo.

Dos cinco músicos da Achilles hoje, dois deles aprenderam a tocar como integrantes da banda. O Ícaro já tocava guitarra quando entrou – mas pop rock e new metal (ele procurava o Metal Tradicional, mas não sabia exatamente quais bandas pertenciam ao estilo devido à confusão de definições tão comum na mídia). E o Mário tinha um baixo, mas não tocava. O que fizemos foi marcar uma música fácil para dali a alguns dias – no caso Paranoid do Black Sabbath – e experimentar para ver se funcionaríamos juntos. E deu certo: quem já viu o Ícaro solando Deep Purple e o Mário tocando Iron Maiden sabe que valeu a pena esperar até que eles tirassem cada música, devagarzinho no princípio, uma por vez, até o hoje, quando todos nós continuamos estudando, é claro, mas já temos condições de tirar músicas com mais facilidade.

Quanto ao número de músicos, normalmente, eles vão três a cinco, sendo a formação tradicional das bandas de Metal dois guitarristas, um baixista, um baterista e um vocalista. A variação aí acontece de acordo com a necessidade ou com a vontade de quem está montando a banda: há bandas que, por exemplo, possuem três guitarristas – como o Lynyrd Skynyrd e o Iron Maiden – ou apenas um como o Manowar e o Black Sabbath. (Porém, há que se ter cuidado: com apenas um guitarrista tende-se a perder no peso.) Há ainda aqueles que acrescentam um tecladista.

Escolhidos os integrantes, chega a hora do “papo sério” - delimite bem os dias e horários dos ensaios, a importância da presença de todos, prazo para que as músicas sejam tiradas, a necessidade do estudo das músicas e, importantíssimo: qual estilo vocês vão tocar. A fidelidade ao estilo é importantíssima na hora de construir o nome de vocês. É esta fidelidade que vai fazer com que pessoas comecem a acompanhar seus shows aguardando as músicas que tanto gostam – já que, provavelmente vocês começarão com covers.

E mais, como sempre digo: combinado não sai caro – se todo mundo foi avisado, ninguém poderá reclamar se vacilar e precisar “levar pito”.

Passada esta parte chega a hora crucial – escolher o nome. É aí que “a porca torce o rabo” – de novo e não pela última vez (como diria o Tolkien).

Logo logo você vai descobrir que banda dá sim todos aqueles problemas mencionados no início – mas que, se você gosta mesmo de música, é uma das atividades mais recompensadoras que você pode encontrar. Sempre lembrando que “it’s a long way to the top if you wanna rock and roll” (é um longo caminho até o topo se você quer fazer rock and roll) – como já diz o Ac/Dc.

Discutiremos a escolha do nome e mais alguns detalhes na próxima coluna. Até lá, registro algumas influências legais para quem vai tocar Metal: Manowar (CDs Battle Hyms e Into Glory Ride), Iron Maiden (CDs Peace of Mind e Killers), Judas Priest (CDs Stained Class e Sad Wings of Destiny) e a brasileiríssima Overdose, com o seu Século XX. Divirtam-se e até a próxima!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Como se faz uma banda?

Coluna publicada no jornal "Conhece-te a ti mesmo", ed. Janeiro 2010.
Desde a minha época de adolescência, estive muito envolvida na cena underground, acompanhei o nascimento e ocaso de muitas bandas de rock and roll – seja de punk, thrash, hard ou do meu estilo favorito, que não é nenhum segredo, o heavy metal.

Muitos destes projetos, em sua maioria desenvolvidos por adolescentes, terminavam em pouco tempo sem, na maioria dos casos, terem feito sequer um show: uma apresentação que mostrasse o trabalho fruto das noites e fins de semana de ensaios em que a família, resignadamente, agüenta a barulheira dos não raro destreinados “músicos”.

Já outras, tendo os mesmos adolescentes à frente, iniciavam-se nas garagens e de lá saiam para os palcos do mundo, como a Overdose, o Sepultura e a Angra (só para citar algumas). Presenciei algumas vezes o sucesso de bandas na cidade onde nasci e passei toda a minha adolescência, Belo Horizonte, que, não por acaso, é conhecida mundialmente como a capital brasileira do Metal. Não há que se negar que é nessa fase da vida, a adolescência, que temos realmente tempo para acompanhar ensaios de várias bandas, shows, etc.

Mas, antes de continuar, é importante que se esclareça que o sucesso é sempre uma questão de parâmetros – de quais planos se desejam executar quando se forma uma banda.

É certo que na adolescência todos desejam ser rock stars, assim como aqueles que sonham com moda desejam estar em passarelas de Paris... Tudo é delimitado pelo sonho.

Entretanto, para a maioria deles é suficiente que consigam mostrar o fruto de seu esforço em palcos menores, na própria cidade onde a banda foi formada. E ainda, para outros, os quais nem todos estão mais na adolescência, a música é um hobby que serve como válvula de escape para as tensões da vida e do ambiente de trabalho – é justamente entre estes que me incluo, e estão incluídos todos da minha banda, a Achilles.

Para estes, o conceito de sucesso está tanto na satisfação pessoal quanto na repercussão positiva do trabalho entre outras pessoas, fãs do mesmo estilo. A satisfação pessoal está relacionada a tocar corretamente músicas que se ouviu e se admirou a vida toda, a maioria delas de nível difícil, no caso do heavy metal que é o estilo ao qual vou me referir com freqüência, já que é o que venho acompanhando de perto há décadas.

O que eu sempre percebi, porém, é que quando se falam em bandas, a maioria das pessoas enxerga sempre algo amador, quase que uma brincadeira. Se a banda não está na televisão, ou se não está “bombando” no youtube, se não está fazendo dinheiro, não costuma ser encarada com seriedade pelos que cercam os candidatos a músicos. Muitas vezes, o projeto de banda não é visto com seriedade nem pelos próprios músicos.

É necessário que se esclareça que esta é uma perspectiva incorreta – como a maioria dos jogos ou divertimentos em grupo, apesar do tom leve, é necessária muita seriedade, comprometimento e trabalho sério para que funcione. No caso de uma banda, funcionar significa passar da fase do “arranhar” músicas para o realmente tocá-las.

Mas, então, como se faz uma banda?

É exatamente sobre isto que vamos falar nesta coluna: sobre todos os aspectos envolvidos em se montar uma banda, com seus amigos. Como selecionar instrumentos, programar ensaios – tudo, tendo como base a minha experiência com a minha própria banda. A Achilles é minha segunda tentativa e já dura cinco anos. A primeira ficou para trás, na adolescência.

De quebra, vamos falar de influências: afinal, é tendo as boas influências como base é que se conseguem “cavar” como mineradores até que se encontre um estilo próprio e se possa partir para a composição. Assim, como não poderia deixar de ser, falaremos do bom e velho metal – o estilo musical do qual fazemos cover e que tem influenciado gerações.

Então, falaremos de bandas grandes, bandas pequenas, bandas que deram certo, bandas que não deram certo, de instrumentos, de viagens, de shows, de patrocínio – já temos no forno, preparadas, entrevistas com integrantes e ex-integrantes de bandas que fizeram sucesso mundial – tendo como objetivo mostrar que música, sendo ou não de brincadeira, será sempre uma coisa séria.

“Sobre os perigos de quando se quer proteger uma nação de si mesma”

Publicado no jornal "Conhece-te a ti mesmo"

O belorizontino Lucas Figueiredo tem carreira de sucesso como repórter tendo trabalhado em jornais e revistas bem conhecidos nacionalmente. Decidiu, então incursionar pelos livros, sendo que Ministério do Silêncio: a história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005) é seu segundo livro, cujo subtítulo bem poderia ser substituído pelo título dessa matéria.

O tamanho dele assusta um pouco aos mais incautos (espero que não aos leitores desta coluna!) – são quase 600 páginas de texto, notas e referências históricas.

“De que trata o livro então? Qual é esse ministério?” – o leitor poderia se perguntar meio assustado, pensando que o nosso distinto presidente, mesmo em seu ano final, teria criado mais uma cadeira ministerial acrescentando-a a sua quase infinita lista de colaboradores entre ministros e secretários com status de ministro.

Mas, não. O título do livro remete-se à fala de um dos idealizadores do Serviço Secreto brasileiro, que o qualificou assim: como sendo um braço do governo com poderes de ministério, mas que zelaria pelo silêncio e pela manutenção do secreto enquanto protegia os interesses nacionais.

Quem se deleita com fatos históricos vai, de fato, apreciar a leitura deste livro, já que foi fruto de pesquisa minuciosa de onde se pode compreender com clareza como e quando aconteceram as fundações – porque, segundo minha interpretação dos acontecimentos narrados pelo autor, foram pelo menos, duas – da agência de espiões brasileiros, do SFICI (Serviço Federal de Informações e Contra-informação) até a atual ABIN (Agência Brasileira de Inteligência).

Ao longo da leitura ainda, tem-se uma visão clara da movimentação da máquina política brasileira – de onde o jeitinho e a astúcia não estão ausentes. Um belo exemplo foi a maneira pela qual Castello Branco, ao assumir a presidência, esvaziou os poderes de um desafeto chamado Portella, muito amigo de um seu desafeto ainda maior – o futuro presidente Costa e Silva. Portella, então, chefiava o SFICI – cargo cheio de poder e glamour. Castello Branco, sem tocá-lo diretamente, esvazia todas as suas funções, mantendo-o no “poder”, sem afrontar diretamente a perigosos brios, simplesmente transferindo as funções do serviço de informações para uma nova agência: o SNI (Serviço Nacional de Informações), colocando o novo órgão sob supervisão direta da presidência da república. Um golpe de mestre.

Entende-se ainda qual o pensamento daqueles que primeiro geriram as agências de inteligência brasileiras, e por extensão, o pensamento da maioria dos políticos da época que prevalece ainda vivo entre os populistas. Segundo eles, o “povo” é visto como uma massa desprotegida, inepta e carente da orientação e cuidados paternais do Estado, sem os quais se afundaria no lodaçal da ignorância.

E foi com este pensamento que os generais – lembrando que os serviços de inteligência sempre foram civis, mas geridos pelo exército – passo a passo decidiram eliminar a todos aqueles que quisessem trazer ao Brasil ideologias diferentes das defendidas por eles visando a proteção do “povo” da contaminação comunista.

Vê-se também como o governo americano influenciou grandemente o funcionamento da inteligência brasileira fornecendo manuais e treinamento para seus comandantes que promoveram, similarmente ao que aconteceu naquele país, uma caça às bruxas nacional, durante a qual comunistas – guerrilheiros ou não – foram expulsos do país ou, ainda pior, torturados e mortos em episódios já elucidados ou em outros ainda por se entender completamente, como a operação Marajoara, acontecida no Araguaia.

É necessário que se faça aqui um aparte – o autor pecou apenas em pequenos pontos do texto que soam panfletários. Essa característica consegue me enervar quando estou lendo algo que se identifica como sendo histórico, pois, segundo o que aprendi, relatos dessa natureza devem prezar pela neutralidade e pelo relato dos fatos. Assim, logo no começo, quase desisti da leitura quando marquei em vários lugares do texto partes com a famigerada palavra “panfletário”.

Nelas, o autor, discretamente, defende ou parece defender, o ideário comunista afirmando, por exemplo, que Fidel Castro e Che Guevara conseguiram libertar seu povo “da elite exploradora e, de troco, humilhar os ianques tomando aquilo que lhes era mais caro – seus bens” (pág. 72).

Embora o tom da prosa – extremamente leve e interessante do autor – seja irônico e sarcástico, em trechos como o mencionado, tem-se a impressão de que ele posiciona-se a favor de uma visão política em detrimento da outra. Isso, como já afirmado, deveria inexistir em um livro que se pressupõe factual.

Mas, é claro, continuei a leitura movida pela curiosidade – e porque não dizer: pela prosa interessante e pela pesquisa detalhada executada pelo autor – e não me arrependi.

Realmente, para alguém que como eu, viveu apenas os anos finais da ditadura – e mesmo assim como criança pequena – é sempre bom manter em foco as conseqüências gravíssimas que podem advir de governos paternalistas que tomam a peito o intento de proteger a nação da própria nação – e de seus reais desejos.

Periga-se descambar na ditadura, como fica bem claro pelo relato de Figueiredo.
 
BlogBlogs.Com.Br