terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os menores e os crimes: onde tudo começa?

Há certas situações que fazem com que paremos e reflitamos – isso deveria ser o normal para qualquer profissional, mas, em especial para aqueles envolvidos na educação, como eu.

E ontem eu me deparei com um desses fatos – importante tanto pela gravidade quanto pela repetência.

Estava eu em uma das muitas escolas onde dou aula. Havia acabado de colocar meus alunos para dentro de sala após o recreio quando algumas das meninas começaram a sair novamente para o corredor.

Ao sair para encaminhá-las novamente para a sala, elas gritaram “briga, briga!” apontando para uma sala vizinha.

Obviamente, corri até lá.

Muita gente me critica quando eu entro para separar briga dos alunos, especialmente quando eles são grandes, no final da adolescência como aqueles – mas nem penso. Para mim é impossível, impensável ver os meninos se digladiando e cruzar os braços aguardando não sei o quê ou não sei quem.

Na hora em que cheguei à porta, dois rapazes, quase homens, trocavam murros no rosto – golpes que até estalavam. A professora, minha colega, estava apavorada, gritando, por não poder sair e pedir auxílio – eles estavam barrando a porta. As meninas, alunas, também gritavam do lado de dentro.

Enquanto ela bradava “Parem, parem!” alguns dos meninos observavam, mas não interferiam.

E a briga era horrível – algo realmente animalesco. Socos e golpes para todos os lados.

Sem demora, agarrei um dos meninos, o que estava mais perto, e o puxei gritando para que ele parasse. Quando um dos alunos viu que eu havia entrado na briga, também começou a apartar puxando o outro rapaz na direção contrária.

Conseguimos separar a briga e eu desci com um dos meninos, que me acompanhou, apesar de extremamente nervoso.

Depois, encontrei o outro e também o encaminhei ao diretor.

O que pude observar conversando com os alunos e com outros colegas é que as reações a estes acontecimentos são múltiplas: há aqueles que ficam excitados, fomentando mais brigas; há aqueles que ficam constrangidos; outros com medo.

Quanto a mim, fico triste. Muito muito triste.

Ainda mais se eu disser que um dos envolvidos na briga já havia se envolvido em outro acontecimento semelhante, alguns meses atrás. Outra briga, a qual eu também separei em conjunto com uma colega professora.

Triste sim.

Mas também pensativa.

Após o acontecimento, como eu havia ajudado a separar duas brigas de socos da mesma sala, pedi ao diretor que me permitisse conversar com os meninos e o colega professor me cedeu o horário.

Por que?

Oras, como eu, profissional da educação, poderia presenciar não apenas um, mas dois acontecimentos como aquele e me omitir?

É óbvio que a direção tomou todas as providências: convocou pais, encaminhou os alunos para orientação, etc, enfim, tudo ao alcance da escola.

Mas eu, pessoalmente, estava por demais incomodada para ficar calada. Enquanto caminhava de volta para minha sala, fui pensando: O que falta? Onde está o erro? Por que o acontecimento se repetiu? O que se pode fazer para que não se repita?

Ao mesmo tempo, corriam pela minha mente tantas reportagens de jornal que contavam sobre menores criminosos que cometiam atos impensáveis.

E a pergunta fundamental que apareceu na minha cabeça foi: o que separa estes meus alunos das manchetes de jornal?

Porque aqueles meninos do jornal são filhos de alguém, já foram crianças, estudaram em algum lugar. Viveram, influenciaram e foram influenciados. Será que, em algum momento, algo deixou de ser dito ou feito que poderia ter-lhes mostrado que existiam outras escolhas que não aquelas que lhes conduziram ao mundo do crime?

Foi pensando assim que decidi conversar com a sala. Obviamente, não estavam lá os brigões, apenas os outros colegas, cerca de 10.

E, confesso, ao olhar para eles, fiquei de coração apertado.

Na minha frente, assentados, eu não enxergava ladrões, meninos de gangue, traficantes, prostitutas – não! Via apenas meus queridos alunos – não dou aula para eles, mas eles estudam em uma escola onde leciono, são meus alunos, portanto.

Observava-os ali, advindos de um meio carente, de famílias com problemas, estudantes de uma escola pública como eu fui, e que estavam de frente, muito possivelmente, para as mesmas escolhas que aqueles menores infratores tiveram em algum momento de suas vidas.

É claro que meu olhar poderia ser outro. É claro que eu poderia ver o embrião da criminalidade em franco progresso – e a verdade é que é assim que eles são vistos por muitos.

Porém, não foi assim que os vi e não é assim que os vejo.

De frente para eles, eu tive algumas certezas.

Primeiro: se algum dia eu visse os meus alunos desta maneira deformada, como criminosos em formação, este seria o dia em que eu abandonaria a educação.

Segundo: eu, apesar de toda a minha descrença e falta de fé, ainda acredito no ser humano.

Sinceramente, eu acredito que eles podem fazer escolhas diferentes das que conduzem ao mundo do crime e foi baseado nesta crença que eu fundamentei minha fala, que, na verdade, foi uma reflexão durante a qual eles falaram bastante sobre si, suas vidas (extremamente complicadas) e, principalmente, como eles mesmos poderiam ser agentes de novas soluções para seus conflitos – sem brigas, sem violência.

Será que algo ficou na mente deles? Será?

Quero crer que sim – e que, de alguma forma a escola possa contribuir com um futuro para eles, longe das manchetes policiais.

Obviamente, não quero sustentar e nem dar subsídio a uma lei, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que possui inúmeros pontos positivos, que, de fato, protegem a criança, mas que, por outro lado, em consonância com a tal maioridade criminal e civil aos 18 anos permite que criminosos menores de idade fiquem livres para roubar, matar, estuprar.

Como eu disse, acredito no ser humano, enquanto espécie. Assim, acredito que a boa formação ajuda a construir o caráter e que mesmo a recuperação de criminosos é possível se estiverem envolvidos aspectos como o trabalho e a educação.

Mas, a recuperação a que me refiro aqui não passa ao largo da punição justa por crimes. Ela anda em consonância com ela – sejam os criminosos menores ou maiores.

O que na verdade eu espero, é que meus queridos alunos daquela sala possam observar estas discussões como expectadores – jamais como atores principais de alguma tragédia.

E este é um dos motivos pelos quais continuo na educação e pretendo ficar por muitos e muitos anos.

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