Era isso que diziam os antigos. O
rosto, como preferem alguns, é local sagrado do corpo – porta a nossa vergonha,
já que, segundo outro adágio, é a cara que demonstra nossa honra ou desonra, pois
é na cara que está a vergonha.
Mesmo em filmes vê-se: quando se
odeia sumariamente, cospe-se a face, não o peito, não os cabelos, não as mãos,
não o torso – mas a face - como demonstração máxima de desprezo. É ainda a face
que recebe o afago e o carinho como demonstração de amor e afeto.
Vê-se, portanto, que tal parte de
nosso corpo é altamente sensível – e muito representativa de quem somos e do
que sentimos.
E, tendo tais coisas em mente,
passo a relatar o acontecido em uma escola
de Congonhas-MG, onde sou professora concursada. Lá, uma determinada aluna
apresentou mau-comportamento em sala e nos espaços de convivência – nada de
deveres, nada de atenção às aulas, nada de nada. Além disto, apesar de ter
apenas seis anos, mostrava questões relativas à sexualidade pouco apropriadas à
sua idade. Tais fatos, além de informados pela professora ainda foram
corroborados pelas auxiliares que acompanham o recreio.
Obviamente, a mãe foi convocada.
Obviamente, ela deveria ser informada.
E aqui, faço um aparte. Sou
professora, mas também sou mãe. No caso de ser convocada pela escola pelos
motivos acima, entenderia que seria urgente conversar com meu filho.
Estabelecer limites, falar sobre o respeito ao corpo – o mundo de hoje é
altamente perigoso, com pedófilos nos lugares mais insuspeitos – a minha
preocupação me faria trabalhar junto com a escola para entender e corrigir meu
filho, certo? Meu amigo leitor não faria algo semelhante?
Pois é. Mas o que fez a tal mãe?
Saiu furiosa da escola. Retornou
no dia de uma festividade e ofendeu a diretora que, no cumprimento de suas
atribuições, a havia informado do comportamento da filha no afã de que família
e escola trabalhassem juntos em prol da criança. Gritou raivosamente no meio de
todos demonstrando profundo desrespeito pelos presentes – alunos, professores,
cantineiras, visitantes.
Foi-se de novo, mas não pela
última vez. Ela ainda retornaria na segunda-feira, dia 04 e aí, sim, na maior
demonstração de falta de compostura e civilidade agrediu a diretora com
palavras e deu-lhe um bofetão no rosto, fugindo logo depois.
Os presentes, estupefatos, mal
podiam crer no que haviam visto – as testemunhas foram muitas: secretárias,
bibliotecária, alunos. Não criam porque, afinal, sempre tendemos a pensar que
tais coisas acontecem com os outros, na casa dos outros, na escola dos outros.
Nunca na nossa!
Mas, o fato é que aconteceu em
uma das minhas escolas – minha sim: fruto dos meus impostos e do meu suor que
junto com os impostos e o suor de outras pessoas fazem dela o que ela é – um
local onde há problemas, sim, como todos os outros. Mas, um local onde se
trabalha, se educa, onde se ensina e onde se aprende – e, certamente, onde se
acerta mais do que se erra. Temos ali algumas centenas de alunos que já
passaram por nossas mãos que podem, serenamente, afirmá-lo.
E, foi ali, local de estudo de
uma centena de crianças, que tal pessoa, tal mãe, sentiu-se no direito de,
enlouquecidamente, esbofetear uma pessoa, uma mulher, uma brasileira, uma cidadã, uma mãe, uma viúva, uma avó, uma
professora, uma funcionária pública, uma educadora. Que, também, vem a ser a
diretora da escola.
Quando aquela bofetada foi
desferida, ela atingiu a todos nós: todos nós que trabalhamos para educar a
juventude mediando-lhe conhecimento para que passem com sucesso pelo processo
civilizatório. Todos nós que desejamos uma escola pública melhor e mais digna
dos nossos anseios. Todos nós que queremos proteger os nossos filhos da
violência. Todos nós que falamos e repetimos que problemas e questionamentos
não se resolvem com brutalidade.
Sim, afirmo e reafirmo que tal
tapa doeu-me a face e doeu a face de todos os funcionários, alunos e pais de
alunos daquela escola e de todas as escolas. Com aquela atitude ela feriu a
todos nós.
E “tapa na cara é caso de morte”.
Porém, para a sorte de tal
senhora, nós passamos por todo o processo civilizatório e não apenas ensinamos
– mas acreditamos – que problemas que não podem ser resolvidos com diálogo,
resolvem-se na justiça.
E é assim que aquela diretora,
que hoje voltou à escola e reassumiu suas funções depois de alguns dias de
licença, está fazendo. Foi registrado boletim de ocorrência pela polícia
militar e foi iniciado processo administrativo na Secretaria de Educação de
Congonhas, cidade tão ciosa e zelosa de sua educação.
Entretanto, é agora também que
nós, que não fomos fisicamente atingidos, mas fomos sim, atingidos em nossa
honra profissional, temos que demonstrar que não estamos desatentos e que,
observadores, ansiamos por providências cabíveis por parte das autoridades.
Mais do que isto – exigimos que tais providências sejam tomadas.
Apenas a justiça e a certeza da
punição impedem que atitudes tais se repitam. Não esperemos que a violência,
tão comum em outras esferas, invada nossas escolas e atinja aqueles que a
frequentam – sejam eles alunos ou funcionários.
Que seja cumprida a lei – é o que
clama uma pessoa, uma mulher, uma brasileira, uma cidadã, uma esposa, uma mãe, uma
professora, uma funcionária pública, uma educadora.
E a certeza que tenho é que por
esta justiça não clamo apenas eu.
6 comentários:
Érica, mais uma vez parabéns pelo excelente texto. E Infelizmente coisas assim acontecem. Fiquei chocado ao saber que uma MÃE fez isso ao ser convocada pra comparecer a uma escola e fez isso com a diretora. Um absurdo! Eu como pessoa e como estudante de Ciências Sociais, fiquei muito triste ao saber dessa situação. E concordo com vc qndo diz que assim que essa mulher, mãe dessa aluna acertou um tapa no rosto da diretora, acredito que não foi só no rosto dela, mas sim e todos nós, cidadãos e na educação desse país. Parabéns pelo belo texto!
Obrigada! É importante que todos nós sintamos esse tapa: é o que nos motivará a acompanhar o desenrolar dos fatos e impedirá a impunidade. Um beijo!
Érica, é uma pena que seres humanos desenfreados na sua falta de ética reflita na selvageria de seus atos contra profissionais que traduzem no seu trabalho zelo na tentativa de encaminhar crianças pela Educação. Preocupa-nos todos o futuro desta criança. Seria o caso de, também, seja levado ao conselho tutelar mais uma denúncia em favor desta criança, para que não venha repetir outros constrangimentos. Parabéns pelo texto/denúncia. Abraços fraternos Helder.
Eu fico chateado, pasmo como são os pais de hoje, como é educação de hoje, na minha epoca ( ah 12 anos atrás), se uns dos meus pais fossem chamados na escola quem levava uma surra era eu.
E o fato do desrespeito aos professores , diretores e etc isso me magoa muito, poxa estou sem palavras!
Erica parabens pelo texto!
É com muita tristeza que recebo tais notícias! Também leciono na rede municipal em Congonhas, embora isso não faça tanta diferença - a falta de educação é problema generalizado. Somos professores e temos como dever a educação intelectual. Porém, sem a educação moral, que vem do lar, não conseguimos trabalhar. Não é triste constatar que nós, professores, estamos muito mais preocupados com o ser humano que há no aluno que muitos pais?
É, Gabi, esta constatação é dolorosa, pois, a escola sozinha pode muito pouco - o trabalho deve ser conjunto: pais, comunidade e escola. Mas, como fazer quando os próprios pais pecam dessa maneira dando tais exemplos na educação de seus filhos?
Postar um comentário