Sou apreciadora profunda do Heavy Metal e de várias de suas vertentes: thrash (e não trash – como escrevem alguns ignorantes), folk, death e por aí vai. Sou ainda professora de crianças e adolescentes – leciono há mais de dezessete anos, já tendo sido professora de cursos de inglês, e atuando hoje em uma das maiores escolas particulares de Conselheiro Lefaiete e como professora concursada em Congonhas.
E jamais achei que chegaria a me sentir grata por ter sido aceita como tal (professora e metalhead - além de vocalista de uma banda de Metal – a Achilles) pela escola particular onde trabalho. Porque lá, todos sabem quem sou, meus alunos vão aos ensaios da minha banda, alguns, quando autorizados pelos pais (e depois de jurarem que vão se comportar e que não irão ingerir bebidas alcoólicas), vão comigo a shows. Lá na escola também, uma das sócias, a Beth, certa vez me disse que era ótimo que alguém como eu fosse professora: os alunos podiam perceber que se podia gostar de Rock, Metal ou o que seja, e se ter estudado, ter família, amigos. Que ser "rockeiro" e se vestir de preto não significava ser drogado e nem mau exemplo.
É claro que também sempre tive bom senso: poucas são as vezes em que vou trabalhar com camisa de banda - e mesmo quando vou, é sempre com as que não possuem figuras mais chocantes: do mesmo jeito que sou respeitada, eu também respeito.
E hoje, meu ex-aluno, Joelmir Tavares e editor de um dos cadernos do jornal O Tempo - que, diga-se de passagem, não é admirador de Metal, como eu - me envia o link informando que um professor foi demitido por causa do seu gosto musical.
Ao seguir o link, me deparei com uma notícia, escrita por Marcelo Moreira em seu blog, informando que um professor de História, de nome René, que trabalhava em uma escola particular de São Paulo havia sido demitido por gostar de Rock pesado.
Marcelo discorre sobre a formação sólida do educador e sobre como ele inseria leituras como George Orwel, Ernest Hemingway e mais – não é preciso nem ter vasta cultura para saber a importância de tais autores para o século XX e nem a interação deles com o conteúdo de História.
O tal René também conversava com seus alunos sobre música – normal: eu também converso com meus alunos sobre isto. Indico bandas, sites, músicas. No horário da aula, temos aula: no meu caso, inglês e sua literatura. Mas, fora dele, no facebook ou em qualquer lugar em que eu os vir, dentro e fora da escola, respondo sem constrangimento às perguntas que eles fizerem sobre meu gosto musical. Era também o caso do René.
Mas, como prêmio por manter um excelente relacionamento com seus alunos – algo que quem trabalha na educação sabe ser dificílimo e ao mesmo tempo, que quando acontece, facilita demais a mediação dos conteúdos – ele foi demitido. Pais cujos filhos ouviam as músicas comentadas pelo professor e liam os livros indicados por ele juntaram o fato de que o professor usava camisas de banda em seu horário de folga (como eu invariavelmente faço) e pressionaram a direção para ele fosse demitido.
Na escola onde trabalho já aconteceu algo semelhante: mais de uma vez pais foram à escola dizer, por exemplo, que eu faço parte de uma “seita satânica” ou que sou usuária de drogas. O bom é que, em primeiro lugar, tais eventos foram raros – nos quase sete anos em que lá trabalho, aconteceram duas vezes. Em segundo, a postura da direção é que foi diferente da demonstrada pelo educandário de São Paulo: sempre fui tratada com o maior respeito pela escola e era sempre informada de que tais “reclamações” haviam sido feitas, mas que tanto diretores quanto pedagoga além de asseguraram aos pais que tais informações eram inverídicas e/ou fantasiosas, ainda reafirmavam minha qualidade profissional. Assim, jamais, jamais tive qualquer problema.
Mas isto não foi, de maneira alguma privilégio meu – eu apenas fui tratada pela escola como são tratados todos os bons professores da instituição quando são alvos de fofocas ou reclamações infundadas. Ou seja, o contrário do que acontece quando as reclamações têm fundamento – simples assim.
Acho que por isso fico tão espantada quando leio relatos como este e é inevitável que eu me faça algumas perguntas: qual o tipo de professor seria melhor para aquela escola? O que repete fórmulas prontas e ensina seus alunos a repeti-las ou um que os faça pensar, pesar mais de uma opinião e tirar suas próprias conclusões? Aquele que mantém uma distância intransponível travestido do manto da intelectualidade ou aquele que consegue uma proximidade relativa com seus alunos mantendo com eles um bom relacionamento?
E o pior é que eu realmente penso que, mesmo os pais que reclamaram do professor René responderiam sempre o esperado: aqueles que ensinam a pensar de maneira independente e que têm bom relacionamento. Porém, a coisa muda de figura quando se trata dos próprios filhos porque adolescentes pensantes, que formarão cidadãos pensantes, são infinitamente mais difíceis de lidar e convencer do que aqueles que simplesmente vão agir de acordo com o senso comum. Misture-se pensamento crítico com hormônios a mil e ter-se-á uma mistura de alto teor explosivo.
Entretanto, ser pai ou mãe – como eu também sou – não é tarefa fácil, mas, falando como quem tem um pré-adolescente em casa, prefiro saber que ele está sendo criado e educado para pensar, pesar e concluir do que para repetir, repetir e repetir. Mesmo que seja mais fácil e muito tentador querer ignorar seus argumentos, tenho que admitir, meu menino os tem e de qualidade – e isto, tenho certeza, muito se deve às excelentes aulas de história, filosofia e literatura que ele tem na mesma escola onde trabalho.
Outra pergunta que me faço quando leio que pais, nos dias atuais, enxergam como problemático que alunos de 14/15 anos escutem músicas indicadas pelo professor, é: será que eles ignoram a existência da internet? Ou será que eles pensam que seus filhos apenas leem ou navegam por sites permitidos por eles? Será mesmo que pensam assim?
Será que estes pais não percebem que quanto mais pessoas preparadas, educadas para tanto, de sólida formação tiverem acesso ao que pensam e ao que ouvem e leem seus filhos melhor – já que isto significa que eles o estarão fazendo sob a orientação de alguém formado para educar, instruir! (E uso aqui a palavra formado com todas as ressalvas que ela possui).
Realmente, eu não tenho palavras para exprimir a alegria que sinto pelo respeito demonstrado por mim pela escola onde trabalho, assim como não tenho palavras para expressar o pesar que sinto pelo caso de René. Como entender o preconceito abissal por trás deste ato - o de demitir um professor preparado e respeitado pelos alunos pelo seu gosto musical? Por incentivar a leitura de autores como George Orwel?
E eu, aqui, em minha realidade que é palpável, onde o fato de eu ser headbanger é visto pelo colégio onde trabalho como algo pitoresco, até mesmo comentado na reunião de pais pelo diretor da escola não como um defeito, mas como um trunfo que me aproxima de meus aluno, achando que nós bangers estávamos livres disto...
O cúmulo que falta é ter-se que incluir na lei contra preconceitos, ao lado da cor e da religião, o gosto musical. Como diriam meus alunos “ninguém merece, né teacher”!
Para quem quiser ler o texto do Marcelo Moreira.
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