terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sobre a moderna barbárie

Já há alguns dias temos acompanhado os acontecimentos relacionados à presença de uma aluna trajando um vestido curto na Uniban, no campus de São Bernardo do Campo - SP. Na ocasião, ela foi seguida por uma turba, sendo ofendida e, finalmente, teve que ser escoltada pela polícia para fora da instituição.

Posteriormente, a universidade expulsou-a.

E teve a própria decisão revogada por seu reitor após repercussão negativa em todo o país.

A justificativa para a expulsão, a princípio, foi a argumentação de que a mencionada aluna já teria sido advertida de que deveria vestir-se apropriadamente, e que havia se negado a fazê-lo. Além disso, afirmou-se que no dia do tumulto, a aprendiz teria “desfilado” pelas dependências da faculdade, tomando um percurso maior que o usual, fazendo poses, para aqueles que quisessem tirar fotos, exibindo suas partes íntimas – conforme veiculação televisiva que reportava depoimentos de pessoas envolvidas com a universidade em questão.

Esse acontecimento me fez refletir bastante. Como se sabe, estou intimamente envolvida no ambiente educacional e prezo muitíssimo o espírito que deveria estar presente em todas as academias: o respeito ao conhecimento e ao desenvolvimento do mesmo, assim como à liberdade individual – pois, em ambientes em que se cerceiam a liberdade dos indivíduos, corre-se o risco de passar-se a cercear outros aspectos de sua liberdade. (Chame de trauma da ditadura, mas, é assim que realmente penso).

É justamente sobre essa tal liberdade individual que gostaria de discutir – a liberdade individual, aquela que nos permite apreciar, utilizar, ouvir, crer, argumentar, freqüentar, fazer – ou vestir – absolutamente tudo o que “vier na cabeça”. Em países democráticos, à exceção do que acontece em teocracias ou sob regimes totalitários, as pessoas são protegidas até mesmo pela lei, que preserva esse seu direito.

Assim, hipoteticamente, tendo como reserva apenas os limites morais (altamente subjetivos), habituais ou de formalidade – como, por exemplo, os trajes admitidos em fóruns, locais que restringem a vestimenta, impedindo o uso de roupas, não pelo seu cumprimento, mas pela sua solenidade – o cidadão brasileiro poderia trajar-se como bem entende.

Isso pode ser facilmente comprovado por uma observação simples em qualquer avenida de centros de cidades pelo país afora: a profusão de camisetas regatas, vestidos curtos, shorts de pouco mais de um palmo e meio, decotes, camisas de bandas (todos usados por homens e mulheres – inclusive os vestidos!).

Enfim, gente que se veste de acordo com meus padrões, com padrões diferentes dos que eu julgaria apropriados – mas, o que fica claro é que a minha opinião diz respeito apenas ao que eu visto. E nada mais.

Afinal, até onde me consta, não contribuo financeiramente para manter o guarda-roupas de ninguém – então, não tenho nada com isso!

Com relação ao ambiente escolar, em escolas de ensino médio, a vestimenta costuma ser limitada pelo Regimento Escolar – habitualmente, em nosso país, costuma-se exigir o uniforme.

Na academia, no ambiente universitário, porém, tais limitações, normalmente, inexistem. Os trajes não são, muitas vezes, sequer mencionados no Regimento.

Mesmo quando o são, são referidos através de conceitos vagos e absolutamente adaptáveis pela opinião individual como “de acordo com a moral”, “respeitando os costumes”.

Aqui, voltamos ao caso da Uniban. Para isso, convém acrescentar que não estou discutindo nem o caráter da moça, nem sua moral – os quais desconheço - ou qualquer coisa que os valha. Discuto, apenas, o acontecimento envolvendo sua minissaia e a turba de perseguidores.

Sejamos sinceros: algum de meus leitores, residente no Brasil, pode realmente afirmar que jamais tenha visto vestido, do comprimento usado pela aluna brasiliense, pelas ruas, bancos, lojas, bares, repartições públicas e, até mesmo universidades? Segundo o que eu mesma vejo dando um passeio pela cidade onde resido, posso afiançar que já vi até mais curtos!

Quanto à afirmação da direção da universidade de que ela tivesse exibido as partes íntimas em poses sensuais, e por isso havia sido expulsa, ora, efetuei busca rápida pela internet pelos vídeos ou possíveis fotos. Encontrei vários que mostravam a turba perseguindo a moça, mas absolutamente nenhum em que se pudesse vê-la mostrando nádegas, seios ou pélvis. Na maior parte deles ela aparece ora com raiva, ora com medo – mas sempre constrangida, e em alguns até mesmo chorando.

O fato de que as tais fotos não estejam na rede não soa estranho, especialmente considerando-se a profusão de celulares apontados para ela por inúmeras pessoas, participantes da turba ou meras expectadoras do acontecido?

E não queira o amigo afirmar que aqueles que teriam tirado as supostas fotos as teriam preservado para si, ou teriam evitado, por pudor ou medo, publicá-las na internet! Soaria absurdo considerando-se o contexto tecnológico, de informação e de exposição em que vivemos, agregado ao anonimato que a rede mundial de computadores provê.

Ainda me lembro quando eu mesma cursava faculdade, de uma de minhas colegas de classe absolutamente adepta das minissaias. Ela as usava em todos os estilos possíveis, todas as cores – mas o comprimento sempre o mesmo: curtinho mostrando suas pernocas. Tento imaginar nossos colegas formando um movimento, como o visto na Uniban, contra as sainhas da menina – e, sinceramente, por mais que eu tente, sempre me parece algo que não aconteceria dentro de uma academia de país democrático.

Especialmente do Brasil onde a exposição do corpo é o lugar comum – e não a exceção. Aqui, mulheres nuas vendem até pneus, já que seus corpos são exibidos em propagandas destes produtos. Se se falar de cerveja, então... Desta forma, fazer de uma minissaia motivo de notícia seria nada menos do que hipocrisia.

Bem me lembro que quando eu vi a primeira reportagem sobre o assunto, fiquei com a sensação de que algo estava faltando ao enredo, uma explicação mais racional para atitude tão irracional. Depois, conclui que aquela turba agia como sempre imaginei que acontecesse na caça às bruxas – alguém grita “Bruxa!”, a notícia corre de boca em boca crescendo em detalhes e eventos a cada repetição inexata e, a população em frenesi e histeria, persegue e apedreja a mulher.

Certo estava aquele que afirmou que a “massa é burra”.

O espantoso é que continue burra mesmo dentro da academia, onde o saber e o conhecimento deveriam imperar.

Se não imperam, que reine, pelo menos, o bom senso. E que atire o primeiro flash quem for hipócrita o suficiente.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sobre professores exauridos e alunos rebeldes

(Desculpando-me por minha ausência, volto a postar. Professores ficam, realmente, assoberbados no final do ano!)

Recentemente escrevi sobre o caso da professora que perdeu seu emprego ao dançar em um show de axé, exibindo seu corpo de maneira pouco apropriada a um educador.

Hoje, continuo escrevendo sobre o mesmo assunto: o professor – todos sabem tratar-se de assunto de minha predileção, já que sou, eu mesma, educadora há anos.

Assim, como tal, me assusto quando abro os jornais ou ligo a televisão e me deparo com manchetes que destacam o desgaste que tem se tornado comum na relação aluno-professor, ou na maneira como o próprio professor encara seu papel, ou na forma como o aluno encara ser correto portar-se e tratar seu professor.

Susto grande tomei quando vi matéria no jornal do SBT que mostrava uma gravação feita por alunos, em uma sala, utilizando-se de seus celulares, ao longo do qual um professor mostrava-se desgastado, exaurido. Ele também evidenciava por sua fala o quão desesperado estava ao não conseguir lidar com o mau comportamento de seus alunos.

Ao longo do mencionado registro, o professor ofende frontalmente, com palavreado baixo, seus alunos, assim como os pais deles, expondo tripas sociais intelectualmente discutidas – e, por vezes, ocultas por pseudo-técnicas ou estratégias de avanço de ciclos – mas, para as quais, ainda está-se longe de se encontrar solução: as relações de pais-filhos/alunos-professores-diretores/escola.

No decorrer da matéria, alguns dos alunos da sala ofendida foram entrevistados e reconheceram, exibindo feições irônicas de debochadas, que a sala composta por eles é desordeira, desorganizada e desrespeitosa. E que o professor havia apenas reagido furiosamente após várias tentativas frustradas de obter silêncio.

Ficou ainda implícito que ou os professores agiam assim e conseguiam algum silêncio, ou ignoravam completamente o comportamento inapropriado dos aprendizes e passavam a simular dar aula, cumprindo o conteúdo, ministrando-o para as paredes (as únicas realmente silenciosas).

Era uma situação limite – onde todos os envolvidos agiram no limite: da educação e da paciência.

Assim, é impossível deixar de perguntar: quem estava certo? O professor-esbravejador? Seus alunos malcriados, que gravaram os gritos de desabafo?

Afirmo que, nessa situação, todos estavam certos.

E também errados.

E que, na verdade, a discussão para se chegar a essa conclusão é muito mais profunda e remete a questões muito maiores do que a um acontecimento de poucos minutos.

Primeiramente, é preciso que se diga que é muito mais cômodo para um professor, naquela situação, fingir que dá aula ignorando a baderna da sala. Isso não altera seu salário. Isso não altera seus resultados – já que quem elabora as provas é ele, que pode fazê-las com consulta ou, no ápice da falta de ética, dando as respostas para os alunos (como eu já vi acontecer diversas vezes, em várias escolas). Números falsos serão gerados já que as notas não refletirão a aquisição de conhecimento da sala – mas, é fácil fazê-lo e o professor sai absolutamente impune. E a sala, feliz.

Desta forma, meu leitor há que concordar: o professor estava certo e agindo de acordo com o que se espera dele ao exigir silêncio e disciplina.

O erro estava na forma. Na maneira como ele o fez.

É inadmissível que um professor – profissional preparado, no mínimo, graduado, adulto – comporte-se exatamente como seus alunos adolescentes.

Onde estaria o modelo, o padrão? De que forma se pode exigir respeito se não se oferece primeiro o mesmo respeito que se exige?

Aqui, entretanto, faço uma pausa para algumas perguntas para reflexão: estaria a direção ciente da postura indisciplinada da turma e, estando ciente, teriam sido tomadas atitudes para evitar que se chegasse à tal situação limite? E os pais? Estariam informados e, como atuantes na educação dos seus filhos, tomaram providências para garantir que seus filhos passassem a comportar-se bem? E quanto aos alunos: foi feito algum trabalho motivacional e educacional (no sentido de normas de educação e comportamento mesmo) com a turma? Se foi, quais os limites impostos e quais as punições que seriam aplicadas (tendo como base o regimento da escola)?

E mais, foram mesmo aplicadas quaisquer punições?

Considerando-se minha experiência como docente há 16 anos, em várias escolas - particulares e públicas - assim como atuando como pesquisadora de técnicas de ensino, creio que, confrontada com o demonstrado na reportagem televisiva (situação da sala, exasperação do professor, comportamento dos alunos) posso responder, tranquilamente, NÃO a absolutamente todas as perguntas feitas.

Não, não e não.

Infelizmente, pais não participam da educação de seus filhos e delegam à escola a tarefa de ensinar-lhes coisas tão básicas quanto falar “por favor” ou “muito obrigado”. A escola, ainda moldada aos tempos em que ao menos a educação comportamental era dada pelos genitores aos filhos, simplesmente não tem demonstrado ter condições de lidar com os adolescentes sem a menor noção do que é conviver com outros em um grupo e mais, demonstrar respeito por uma figura de autoridade – no caso o professor.

Assim, digo que um conjunto de pais e direção omissos leva às situações que, o professor sozinho, não é capaz de lidar. Ele, por sentir-se incapaz, toma atitudes questionáveis, que não condizem com sua preparação para a sala de aula.

Mas, como silenciar uma sala de alunos que não sabem comportar-se e que têm a certeza absoluta de que nada de mais sofrerão pelo mau comportamento?

Ainda pior: não raras vezes já vi pais que, ao serem confrontados com as péssimas atitudes de seus filhos no ambiente escolar por diretores e coordenadores, ativos e comprometidos com suas funções, em um jogo de disfarces e hipocrisia, culpam a escola por não educá-los, cobrindo seus pobres rebentos aviltados e mal comportados de lambidas!

Como bem disse uma professora experiente, minha amiga: esses não são os filhos rebeldes. São piores, pois já são os filhos dos filhos rebeldes.

Vê-se, então que professor estava certo e, ao mesmo tempo, errado.

Falemos agora dos alunos.

Estariam corretos ao gravar os xingamentos do professor em seu momento de explosão?

Sim! Claro que sim!

De outra forma, seria a palavra deles, uma turma já reconhecidamente difícil, contra a palavra do professor – o qual não posso afirmar que reconhecesse o que havia feito (nem negar, obviamente, já que não o conheço).

Mas o fato é que o erro deles não foi o fato de terem registrado – mas sim o fato de terem causado a situação com seu mau comportamento.

Mais uma vez, não defendo o comportamento descontrolado do professor – recrimino-o severamente. Para se assumir qualquer função, tem-se que estar preparado para o que se vai fazer: o que, no caso do educador, inclui enfrentar essas possíveis situações em sala de aula.

Porém, tem-se que lembrar o óbvio - professores são seres humanos sujeitos aos sentimentos humanos: raiva, angústia, frustração e destempero. Assim, ao passo que os alunos estavam certos ao fazer o registro da afronta, estavam errados ao levar o professor ao limite, ao ponto de fazer o que não gostaria.

Eu mesma já me vi em pouquíssimas situações (Graças e Deus!) em que algum aluno conseguiu me irritar sobremaneira – o que contou para o controle dos meus impulsos foi o fato de que, ciente de meu papel qual educadora e de que posso servir de modelo para alguns deles, não me deixei dominar pelos instintos e a vontade de xingar ou debater.

Como profissional e, mais, como adulta – portanto, com mais experiência de vida – fui capaz de contornar as situações nas quais fui envolvida – obviamente exigindo as punições cabíveis a cada caso, sendo essa a atitude apropriada. Mas, sou humana e passível de erro – por isso, não consigo deixar de me sensibilizar com a situação em que o professor do caso mencionado se deixou envolver.

Assim, viu-se que todos os envolvidos estavam certos, mas também errados.

O fato é que, não se pode deixar de dizer, que essa situação reflete não um destempero de minutos, mas uma situação comum que, fruto de uma dificuldade social muito maior, envolve, primeiramente, a educação e criação de crianças e jovens por seus pais.

Indo além, ainda envolve as atitudes que a escola, essa instituição tão tradicionalista, deve tomar para que possa sair do passado e encarar de frente a complementação da educação das crianças e jovens de hoje, que, muitas vezes, não receberam em casa os limites necessários para a boa convivência com quem quer que seja, trazendo péssimos hábitos para dentro de sala.

Mas, esses são os nossos jovens, oras! É com eles que devemos aprender a lidar – dando os limites necessários, mantendo as emoções sob controle.

(Sei que alguns teóricos vão afirmar que eu disse barbaridades: e teorizarão horrores com relação ao que fazer ou não. Mas o que eu queria mesmo é que esses tais teóricos fossem para a.... sala de aula! E, de preferência, que dessem aula para uma sala bem difícil e mal comportada sendo obrigados a aplicar apenas suas próprias teorias... Seria bem divertido... É... eu acho que eu também tenho um lado malvado...)
 
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