segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre o aborto e o direito da escolha

O meu posicionamento com relação ao ser-feminino assim como em relação às questões de independência do dito “sexo frágil” já são notórias – mas, sinto ser importante começar este texto esclarecendo isto: que sim, sou feminista. Sim, defendo o direito de igualdade dos sexos, nos campos em que isto é possível: educação, salário, desenvolvimento intelectual, direitos civis, etc. Ao mesmo tempo, não sou o tipo tacanho que deseja bater queda de braço com homens por aí: tenho plena consciência de que, se considerando o número de músculos e o desenvolvimento natural dos mesmos em homens e mulheres, é claro que a média de força dos primeiros é maior do que a das segundas (obviamente estou desconsiderando as passistas “marombadas” e os nerds de músculos atrofiados).

Desta forma, como defensora ardorosa dos direitos femininos, não poderia deixar de defender também o direito de escolha. Creio ser um direito inalienável feminino optar ou não pela gravidez – que me desculpem os desejosos de serem pais (ou de não sê-lo), mas quem aguenta fisicamente as consequências da concepção somos nós.

Assim, não critico mulheres que optem por jamais serem mães ou por apenas serem mães de filhos adotados. Nem critico também àquelas que, desejosas da maternidade independente, concebem um filho – desde que estejam preparadas para educá-los e sustentá-los sozinhas. Em minha opinião é algo mais trabalhoso e infinitamente mais difícil do que fazê-lo com a companhia de um pai presente e amoroso – como é o caso do pai que escolhi para minha prole que é meu grande amigo e companheiro – mas não serei eu a criticá-las. É um direito delas.

Entende-se então que jamais criticarei o uso de quaisquer métodos anticoncepcionais que uma mulher deseje usar (jamais se esquecendo do uso da camisinha que, além da gravidez, previne ainda doenças). E há um número imenso deles: os muitos tipos de pílula, diafragma, os vários tipos de DIU, laqueadura, camisinha feminina, substâncias espermicidas – há para todos os gostos e necessidades: se você não se adapta a um há vários outros dentre os quais escolher. Sem esquecer ainda da pílula do dia seguinte – a qual eu cria micro-abortiva, mas que, segundo reportagem recente da Veja, apenas impede a concepção pelo método tradicional: impedindo que o espermatozóide alcance o óvulo e não impedindo a nidação, ou seja, a fixação do óvulo fecundado no útero.

Vê-se que, realmente, defendo o direito da escolha da mulher: que ela deve ser a única a arbitrar sobre o seu próprio corpo.

Mas aí, chega-se a um ponto crucial: a questão do “próprio corpo”. Onde termina o direito da mulher e inicia-se o direito daquele a quem ela está gerando?

Para que pensemos sobre o que vem a ser esta diferença, faço algumas perguntas: teria eu o direito de arbitrar sobre a vida de meu filho de 10 anos? E se ele estivesse com 5 anos? 1 ano? 6 meses? 1 dia de nascido?

É claro que não! Não é porque ele nasceu de mim que posso matá-lo a meu desejo. Afinal, não posso nem mesmo matar a mim mesma e querer que isto seja considerado “normal”.

Aqui, é importante que se ressalte que a diferença entre um nascimento e um aborto pode ser de apenas um dia. Em um dia é-se uma feto de seis meses no outro é-se um bebê prematuro para cuja sobrevivência lutam toda a família e equipe médica – como vi acontecer em minha família. Este um dia que separa um nascimento de um aborto faria com que eu tivesse o direito de matar meu filho um dia antes de seu nascimento, mas não um dia depois – se eu defendo o direito feminino da escolha?

Não lhe soa como uma contradição?

É óbvio que a maneira como o aborto é defendido hoje em dia, ou até mesmo permitido em certos países, é delimitada pelo tempo de gestação tendo-o como fator primordial para o desenvolvimento do processo abortivo. Se um determinado número de semanas for atingido, o aborto não será mais possível.

Ou seja: considera-se humano o feto com determinado número de semanas ao passo que se considera um apêndice do corpo feminino o feto abaixo daquele número de semanas. A quantificação de semanas dependerá do defendido pela pessoa ou por aquele governo: o passo inicial da vida estaria entre o primeiro batimento cardíaco ou a formação do sistema nervoso central.

Mas, eu pergunto, o que faz realmente a vida de um humano? O que constitui esta espécie? O que me diferencia dos demais primatas? O que determina minhas características físicas, inclusive minha predisposição a determinadas doenças e não a outras, enfim tudo o que sou enquanto individuo pertencente à minha espécie? O que me faz ser quem sou e não minha irmã?

Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento científico vai responder com segurança: o DNA.

E quando é formado o DNA? Na concepção.

Assim, desde o momento primeiro da junção dos cromossomos presentes no óvulo e no espermatozóide tem-se presente o elemento único, o diferenciador que faz com que sejamos identificados como indivíduos, únicos, mas ainda assim pertencentes à espécie humana. Estão ali presentes todos os elementos que produzirão a vida humana independente – o adulto. Este diferenciador, inclusive, diz que eu não sou minha mãe – muito menos um apêndice preso a ela.

Desde a fecundação minha característica genética está perfeitamente estabelecida e delimitada e, apesar de ainda depender do corpo feminino para me desenvolver por aproximadamente 40 semanas, sou indiscutivelmente um novo indivíduo pertencente à espécie humana.

Mas, então, quer dizer que a mulher não escolhe?

Arrazoemos. Há algo que aprendi com meu pai: a vida é feita de escolhas – e de suas consequências. Desta forma, quando uma mulher opta por fazer sexo, ela sabe que está expondo seu corpo a várias possíveis decorrências: o prazer, as sensações, mas também às doenças e à gravidez. Todas estas são consequências da escolha de ter uma vida sexualmente ativa.

Para que se evitem os efeitos desagradáveis ou indesejados, como as DSTs ou a gravidez, os métodos são conhecidos e acessíveis. Para aquelas que não podem pagar, o governo provê programas de controle de natalidade e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis que vão desde o fornecimento de pílulas, preservativos, DIU: tudo muito fácil e muito simples – basta ir a um centro de saúde, o popular posto médico, consultar-se com um ginecologista e cadastrar-se para participar nos programas.

Mas, e se, mesmo que a mulher exerça sua sexualidade de maneira consciente, preservando-se, ela ainda assim, por exemplo, contraia alguma DST, como parte da chance de erro? Não terá ela que arcar com as conseqüências e tratar-se?

E se, como parte da mesma chance de erro ela engravidar? (Sabe-se que não há contraceptivo 100% seguro).

Bem, afirmar que o aborto solucionaria o problema é o mesmo que dizer que a destruição de um cadáver apaga um assassinato – se se eliminarem as conseqüências, o ato miraculosamente desapareceria.

Qual seria então a opção?

Melhor do que o aborto é ter o bebê e, em uma solução “menos pior”, dá-lo para adoção, porque, da mesma maneira que eu não arbitro sobre o direito de vida de meu filho de 10 anos, não posso fazê-lo se ele apenas possuir dias – nem mesmo se ainda estiver em processo de gestação.

No mais, considerando-se que qualquer mulher que escolhe exercer sua sexualidade sabe que a gravidez é uma possível consequência – ela não pode dizer-se desavisada, nem ter sido presa da surpresa!

Mas, e quando a mulher foi vítima de um estupro?

Muitos afirmam que a defesa da manutenção desta gravidez é um erro sustentado por convicções religiosas ultrapassadas. Bem, afirmo que quem defende o aborto nestes casos é que está preso ao fanatismo religioso – mesmo que não o saiba: a lei de Talião, usada no Velho Testamento, é que reza o “olho por olho, dente por dente” – determinando ainda que os erros dos pais caiam sobre os filhos, de geração a geração.

E se você pensa o contrário, responda-me: qual a culpa do bebê concebido do erro de seu “pai”?

Há ainda os que dizem que tal gravidez é impor mais sofrimento a uma mulher já exposta a um sofrimento indizível – o da violação. Sim! É um sofrimento maior – uma lembrança constante do ato.

Mas, seria então melhor acrescentar a isto o peso da eliminação de uma vida isenta de culpa? Ou tomar uma decisão baseada no erro alheio? Se ela matasse o estuprador – o único culpado – estaria certa? Porque está certa então ao matar o indivíduo concebido? É realmente a melhor opção: para que se poupe uma vítima, crie-se outra?

Em minha opinião, a doação da criança ainda seria a opção mais viável.

Já com relação às situações em que a vida da mãe encontra-se em risco e é necessário que se opte por qual vida salvar, bem, me abstenho de falar. Não me sinto com bagagem de vida necessária para discutir ou argumentar em prol de um ou de outro – nem de julgar aqueles pobres que tiveram que decidir. O que passam é por demais cruel para que sofram mais com julgamentos alheios – minha balança não consegue pender: são duas vidas humanas em jogo, afinal.

E quanto ao governo?

Uma de suas atribuições é defender aqueles que não podem fazê-lo por si: crianças, deficientes mentais – incapazes de uma maneira geral. É seu papel, então, defender aquele indivíduo, incapaz de falar ou de se proteger, mas que, ainda assim, está marcado com o sinal da espécie humana – o seu DNA. Além, é claro, de fazer punir os que, de maneira cruel e inumana, ceifam vidas inocentes: tenham estas vidas anos, dias ou se ainda estiverem sendo gestadas.

Desta forma, reafirmo – a mulher tem sim, o direito de escolher não conceber. O direito de arbitrar sobre seu corpo.

Mas, isto não lhe dá o direito de arbitrar sobre a vida alheia – mesmo que ela dependa de seu útero. Antes, ela deve saber que com os direitos, como o de exercer livremente a sua sexualidade, advêm as responsabilidades e dentre elas está arcar com as consequências de suas decisões.

E que, mesmo que ela não tenha escolhido – como é o caso do estupro – isto não faz com que ela possa, como uma espécie de deus cruel e arbitrário, punir outros seres humanos, em especial os inocentes, com a inexistência, a morte.

3 comentários:

Paulo Freitas disse...

Balançou meus pensamentos esta vertente do início da vida baseada na fusão do DNA no zigoto. Estudei Bioquímica e Biologia Molecular por três anos e preparo-me agora para iniciar o curso de Medicina. COMO ESTE TEXTO VERDADEIRAMENTE ME INSPIROU!
Continuarei a ler seu blog, caríssima Teacher.
Abraço,
Paulo Hnerique, do 3º ano de 2008 do Potência

Érica Araújo Castro disse...

Oi, Paulo! Bom saber do seu sucesso e que gratificante saber também que o texto lhe inspirou... Ele foi escrito com muita paixão - a questão do aborto realmente mexe comigo, talvez pelo fato de as pessoas acharem que todas as feministas são pró-aborto... Obrigada pelas palavras e continue lendo!

Azrael disse...

Gostei do texto e transmite bem o que penso sobre o assunto.

Sou a favor da "liberação" legal do aborto. Que possa ser feito sem consequencias legais/penais em hospitais públicos, por médicos em uma estrutura adequada pois sou a favor da liberdade individual e acredito que cada um sabe de si e o que é melhor para si (até que se prove o contrário).

Além da questão "liberdade" há o fator da realidade, que descriminalizando ou não quem quer abortar VAI abortar, modos de se fazer isso são inúmeros, e em sua grande maioria perigoso para a saúde da mulher, logo se vai fazer, que faça de modo seguro.

Agora, EU não concordo com o Aborto. HOJE eu não pensaria em demandar à minha parceira sexual que o fizesse, no caso de algum "acidente". Contudo não julgo, nao recrimino, não tenho nada contra quem o faz. Como jurista jamais poderia fazer um juízo de valor de alguem por isso.

Logo, sou a favor. Mas não faria HOJE (digo isso pq nunca se sabe do amanhã)

Sobre os argumentos que circulam em defesa dessa prática existem alguns que eu não consigo concordar. Pode ser devido à uma visão limitada e condicionada minha.ou mera ignorância dos fatos. quem sabe? Espero que se eu estiver "errado" que me mostrem o erro e me expliquem o acerto.

Então o grande mote é o "meu corpo minhas regras".
Acho essa máxima um imperativo ABSOLUTO numa relação. Ojerizo qualquer violencia ou coação em detrimento da sexualidade/segurança/integridade da mulher fisica E psicologicamente contudo, quando ela se envolve com alguem (seja casual ou relacionamento) ela tem sim o controle de seu corpo, com o uso dos diversos contraceptivos. E penso que hoje em dia ninguem mais tem desculpa de não saber como se previnir. Principalmente com o acesso quase irrestrito à internet, as diversas campanhas em TV aberta, com o assunto sendo tratado (mesmo que eventualmente) nas escolas etc...

A mulher tem o DIREITO inalienável, irrestrito e incontestável de escolher com quem transa ou não, porém AMBOS (A mulher e seu parceiro(a) ) TEM O DEVER se de proteger, se precaver das eventuais consequencias do coito (sendo gravidez ou DST)

Falando nisso... No texto ficou uma comparação meio implícita (soou pra mim pelo menos) entre DST e a gravidez (o que pode irritar alguns ) Mas é numa certa medida pertinente no sentido das CONSEQUENCIAS, pois você não pode "tirar" uma doença... Terá que conviver com ela pois se você se contagiou, à princípio, você teve culpa SIM pois transou sem as precauções. (claro que existem as exceções, como o parceirx ficx marido/esposa/namoradx que traí, estupro etc)

Essa questão soa pra mim uma fuga da responsabilidade. Uma legitimação da inconsequencia de seus atos. "sou dona do meu corpo, faço o que quero do jeito que quero e se engravidar eu tiro, dá nada"

Por um outro lado, há de se pensar na questão de "dar a criança à adoção" isso é complicado já que os abrigos estão abarrotados de crianças abandonadas que ninguem quer adotar (ai discutir o mérito dessa questão já seria assunto para uma outra postagem) e isso poderia inchar ainda mais e fadar as crianças indesejadas (nao vamos pagar de politicamente corretos, se a mulher esta disposta a abortar/dar a criança é pq ela é indesejada) a uma vida miserável, dura, infeliz, solitária, e por aí vai...

No fim das contas não tem lado "certo" nem "errado" e sim o SEU lado, o que VOCE acredita e nesse sentido a melhor coisa a se fazer é dar às mulheres essa opção DELA, dentro dos seus valores, suas crenças, escolher qual caminho tomar sem represarias de ordem moral de quem que que seja.

 
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