segunda-feira, 22 de junho de 2009

Movimento Surrealmente Terrorista

Ainda me lembro da primeira vez em que ouvi falar de reforma agrária: devia ter uns onze ou doze anos e estudava em uma escola pública de referência em Belo Horizonte.

Lembro-me claramente da professora de geografia falando. Ela ostentava orgulhosamente um broche de estrelinha vermelha com a sigla do PT – me pergunto se ela ainda o usa. Em sua fala, minha antiga educadora exaltava a necessidade premente de tal reforma para fornecer terras àqueles que não a possuíam e que eram injustiçados pelos latifundiários proprietários de levas infindáveis de terras, que não utilizavam: um acinte.

Para mim, as idéias dela e do livro didático utilizado então (declaradamente de esquerda) faziam total sentido.

E, como é muito característico da minha personalidade – sou extremamente curiosa e perguntadeira - comecei a relacionar o que ouvia na escola com o que via.

Minha curiosidade ficou ainda mais aguçada devido ao fato de que em nossas viagens anuais em família, eu sempre via terras e mais terras: quase tudo cercado – muitas vezes plantado ou com gado. Mas, se se procurasse direito, ainda encontravam-se alguns pedaços sem cercas. Em uma destas vezes eu perguntei ao meu pai o que aconteceria se decidíssemos morar em algum pedaço de terra, aparentemente não utilizado, não cercado, de uma hora para outra. Queria saber se alguém teria o direito de nos retirar. Meu raciocínio era simples: já que o Brasil era nosso, se a terra não estava sendo utilizada por ninguém é porque poderia ser utilizada por qualquer brasileiro (crianças são de fato inocentes...).

A resposta dele foi uma risada... Seguida da explicação de que o Brasil é dos brasileiros, sim. Mas que há questões envolvidas na propriedade de terras: é necessário comprar de alguém ou do governo para se ter a posse desta terra e poder utilizá-la para o que quer que fosse. Ele ainda exemplificou dizendo: e se tivéssemos uma fazenda ou sítio, gostaríamos de vê-la invadida por outrem alegando que eles a utilizariam melhor que nós? É claro que não! Já imaginei meus cavalinhos e vaquinhas – que não possuía – sendo montados e aboiados por outros que não nós mesmos. Aprendi ali que a propriedade é algo sagrado, inviolável.

Isto também fez todo o sentido par mim.

Claramente, os dois conceitos: propriedade e coletividade (implícitas nas idéias de “possessão de terras” e “reforma agrária”) começaram a se chocar. É interessante como as idéias que fazem sentido e são bem argumentadas, mas são conflitantes, se digladiam na nossa cabeça até que se decida qual ponto defender ou acreditar.

Sendo assim, ora eu admitia que é injusta a situação dos que possuem terras e não as utilizam impedindo famílias de obterem seu sustento; ora eu pensava no direito à posse do que você adquiriu ou herdou e utilizava, de fato. Este meu embate cerebral durou anos, posso dizer.

Ao longo destes anos, outros conceitos e observações foram sendo feitas – assim como outras leituras: de esquerda, de direita, de centro e indefinidas.

Em minhas observações, vi surgir ou se tornarem conhecidos vários movimentos que se utilizavam da defesa dos direitos dos despossuídos – dos sem terra, sem teto, dos sem emprego.

É engraçado como todos se iniciam apregoando conceitos de notória justiça: direito à alimentação, moradia, dignidade – absolutas prerrogativas humanas.

Passeatas se desenrolavam.

Nestas, sempre era possível observar que, em meio às muitas bandeiras hasteadas, em meio aos que gritavam palavras de ordem, havia sempre uma, em quantidades marcantes, que me remetia à minha ex-professora de geografia... Mas pouquíssimas vezes eu observava bandeiras do Brasil – quando estas se faziam presentes, era sempre em pequeníssimo número. Ainda me pergunto o que isto quereria realmente dizer.

Ao mesmo tempo, sempre a observar e refletir, vi se tornarem conhecidos ou mais barulhentos movimentos que aclamavam “direitos” menos nobres, dentro e fora do Brasil: “direito” de viver apenas junto de sua etnia (eliminando todas as demais), “direito” a ter um país (eliminando todos os que desejassem também aquele país, ou que não permitissem sua liberdade), “direito” a ter uma fé e vivenciá-la diariamente (mandando pelos ares todos os que professassem fé diferente)...

Siglas sucediam-se carregadas de mistério e significado: ETA, IRA, OLP – os terroristas da minha infância: assombravam meus pesadelos assim como o Saddam Husseim assombrou meu menino anos depois. (Literalmente, pois, certo dia, ele, com uns três aninhos, me chamou na hora de dormir e disse estar com medo do Homem Barbudo entrar pela janela aberta. Homem do Saco, Bicho Papão (debaixo da cama ou dentro do armário) eram meus velhos conhecidos. Este tal Homem Barbudo era novidade. Quando lhe perguntei quem seria tal homem ele me disse ser o Saddam Husseim, que ele sabia ser do “Iraque”, usar barba e ser mal).

Terrorismo, então, passou a ser para mim, sinônimo de ônibus, prédios, ruas explodindo. Sunday bloody Sunday. Invasão e quebra-quebra em propriedades privadas ou particulares. A dogmatização de crianças em escolas onde aprendiam a falar em voz alta, ininterruptamente, frases religiosas ou a defender ferrenhamente a visão de seus pais e professores. Aprendendo que é bom matar ou morrer por esta visão. Sofrimento de pessoas ditas inocentes – muitas vezes o desconhecido passante que estava no lugar errado, na hora errada: repentinamente, explosão e braços e pernas pelos ares. Enfim, aprendi que terrorismo era tudo o que provocasse terror.

Com o correr dos anos, e com menos resultados do que esperado em caixa, alguns destes movimentos, ao passo que permaneceram com as mesmas ideias, convenceram-se de que era melhor usar a ideologia para dogmatizar seguidores, aumentando mais e mais seus adeptos, e se fazer ouvir. Como passaram a desejar o apoio e o respeito internacional – o que determinantemente facilita algumas conquistas, suavizaram suas ações: em vez de bombas em ônibus ou atadas a pessoas, começaram a utilizar as urnas. Em alguns casos, o apoio popular fez com que estas organizações conseguissem em poucos anos o que não haviam conseguido em décadas de combates.

É claro que não quero simplificar uma questão extremamente complexa que envolve as relações sociais de diversos povos, e nem ignoro que enquanto se utilizam do voto, determinadas organizações permanecem apoiando o terrorismo por outros meios.

O que quero dizer é que, organizações antes violentas, extremistas, estão se tornando menos agressivas – mesmo que mantenham a defesa da mesma ideologia, seja ela justa ou não.

Já no Brasil, a impressão que tenho é que se dá o oposto: certas organizações parecem querer migrar das passeatas e da dogmatização ideológica para o terror.

Tome-se o caso do MST e da Via Campesina – menciono-os, pois são os de que mais se fala na mídia.

Quando eu estava lá, sentadinha na cadeira da escola, e minha professora de geografia falava de reforma agrária, o MST fazia passeatas e reivindicava algo absolutamente justo: o direito de famílias de lavradores, impedidas de possuírem terras pelo fato de estas estarem ocupadas para especulação sendo mantidas improdutivas, possuírem tais terras e com elas sustentarem suas famílias. Enxurradas de bandeiras vermelhas com foices e martelos corriam pelas ruas das grandes cidades. Marchas eram organizadas trazendo repercussão para a mencionada injustiça.

Desde os anos de minha infância e adolescência para cá o mesmo MST - e alguns movimentos correlatos - mudou gradativamente seu modo de agir: as passeatas tornaram-se menos expressivas enquanto que fazendas passaram a ser invadidas e depredadas: lavouras destruídas, gado morto, sede vandalizada. Ora, pergunto: se há lavouras e gado a se obliterar, onde está a improdutividade?

Lembro-me ainda da pesquisadora chorando, lamentando seus anos de pesquisa perdidos pelas mãos de mulheres com rostos cobertos que quebraram seu laboratório e destruíram suas plantas. Uma vida de pesquisa e dedicação soprada como poeira – dedicada em vão: suas perguntas não seriam respondidas. Em minha matemática: plantas + pesquisa = produção. Mais uma vez, onde está a improdutividade?

Vi ainda as escolas de acampamentos, famigeradamente sustentadas por dinheiro público, ensinando aos pequenos qual a causa certa pela qual matar ou morrer.

Quando pensei terem eles chegado ao máximo da ilegalidade, mais um crime foi acrescentado à sua lista de práticas abjetas: o assassinato - como se pôde ver no caso dos vigias contratados para defender uma fazenda que seria invadida – e por isso foram mortos a tiros. Estariam eles em lugar não apropriado em hora indevida?

Sinceramente tenho me perguntado quando os ônibus e prédios começarão a explodir matando aqueles mesmos incautos passantes-da-hora-e-lugar-errado, pois estes movimentos estão, com mudanças sutis implementadas ao longo de anos, começando a se encaixar na minha definição de terrorismo.

Surreal! Como eu exclamava em meus tempos de adolescência quando queria me referir a tudo que fosse muito estranho e inesperado.

É óbvio que não quero dizer que a reforma agrária é desnecessária – muito pelo contrário. Reafirmo que é justo que às pessoas seja dado o direito de retirarem seu sustento da terra em detrimento do uso da mesma para especulação com sua consequente manutenção em estado de improdutividade. Em contrapartida, também é justo que pessoas que possuam pequenos ou largos pedaços de terra e os utilizam para seus fins particulares – que sejam legais e produtivos – tenham seu direito assegurado. O direito dos últimos de possuírem terras, não interfere no direito dos primeiros de acesso ao seu sustento.

E assim foi que, finalmente, o impasse entre “propriedade” e “coletividade” se resolveu na minha cabeça: pelo caminho do meio, como já filosofava um certo oriental.

Um comentário:

Anônimo disse...

O problema é que se todos os que não tem alguma coisa criarem um movimento para tomar à força vai virar tudo uma anarquia.
O MST quer terrra, mas não qualquer terra, que próxima das cidades para poder vender o alugar para fazerem sítios.
Vim agradecer sua visita e comentário no meu blog.
Catarino

 
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